MANIFESTO MORATÓRIA SÃO FRANCISCO VIVO!
A Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco passa por um momento
extremamente grave – a pior seca em 100 anos. E a falta de chuvas não é a única
culpada, como querem fazer crer os governantes. A crise hídrica se deve também
e principalmente aos múltiplos, crescentes e conflitantes usos de suas águas,
matas, solos e subsolos, decorrentes do modelo econômico predatório; agravou-se
de tal forma que os danos e riscos aumentam e assustam. A seca deixa este
quadro ainda mais evidente. Esta situação, apesar do espanto e comoção, há
algum tempo vem sendo denunciada pelas organizações populares e pesquisadores
comprometidos com a luta socioambiental e a defesa da vida.
As
intervenções degradantes na Bacia ao longo dos anos acumularam problemas que
hoje “deságuam”, visíveis, no leito do Rio São Francisco. E mesmo assim não
vemos os governantes movimentarem-se para enfrentar este desafio. Pelo
contrário, anunciam como “crescimento” – nem é mais desenvolvimento –
“benéfico” para todos, outros abusivos projetos econômicos, tais como as novas
irrigações, transposições hídricas, minerações, minerodutos, monoculturas,
agrocombustíveis, parques eólicos, ferrovias, hidrovias etc.
As águas
minguadas do São Francisco podem ser notadas ao longo de todo o curso do rio e
em afluentes grandes e pequenos, em muitos lugares já como calamidade. As
reportagens mostradas pelos meios de comunicação e as imagens postadas nas
redes sociais não deixam dúvidas: o Velho Chico apressa-se à morte!
Ribeirinhos,
pescadores, vazanteiros e moradores das cidades dizem que nunca presenciaram o
Rio com tão baixo volume. Isto também pode ser verificado nos dados do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico.A
barragem de Três Marias estava com 7,88% da sua capacidade de armazenamento no
dia 24 de agosto deste ano. Municípios como Pirapora e Jaíba estão com
problemas de abastecimento humano, pescadores não encontram mais os cardumes,
balsas param sem poder transportar carro e gente, ou têm que dar longas voltas
nas “croas”, como são chamados os acúmulos de areia no leito do rio, e em
vários locais as pessoas já cortam o São Francisco a pé. A baixa vazão favorece
a formação de cianobactérias (algas azuis), como já acontece no Rio das Velhas
e nos próximos meses de seca aumentará a proliferação. Situações semelhantes
ocorrem nas demais regiões, ao longo dos 2.830 km do rio, piorando a qualidade
da água quanto mais se aproxima da foz, somando-se às baixas vazões e ao
assoreamento as poluições doméstica, agrícola e industrial, num quadro angustiante.
O que
fazer? Esperar chover? Ações emergenciais quando as algas azuis se espalharem
por todo o Rio? Carros-pipa para abastecer povoados e cidades ribeirinhas?
Cestas básicas para paliar a fome do povo quando as lagoas não mais
reproduzirem os peixes? Mais obras inacabadas e superfaturadas de saneamento? A
transposição do Rio Tocantins, para tapear as percepções do problema e
potencializar mais usos degradantes das águas, matas e solos e exploração da
população?
As
seguidas reduções das vazões dos reservatórios determinadas pela ANA – Agência
Nacional de Águas não podem ser as únicas medidas possíveis.A CHESF já
conseguiu prorrogar a diminuição da vazão da Barragem de Sobradinho, “coração
artificial” do São Francisco, em 1.100 m3/s, o que significa que na
foz deve estar bem abaixo dos 1.300 m3/s, vazão ecológica mínima
fixada por lei. Além de terem um limite intransponível (qual é este limite?),
as reduções priorizam o negócio da energia hidrelétrica e não os demais usos.
Enquanto isso, o Programa de Revitalização, apresentado como contrapartida
governamental para a Transposição, a quantas anda? Quem dá notícia?
Os órgãos
do Governo, em todos os níveis, mobilizarão, como sempre, recursos para ações
paliativas, ainda mais em época eleitoral...Ao mesmo tempo o setor privado,
empresas mineradoras, siderúrgicas, metalúrgicas, energéticas, indústrias
alimentícias e do agronegócio (este é responsável por quase 70% dos usos
consuntivos das águas) continuarão a receber e usar suas outorgas sem restrição
e efetivo controle do Estado. Órgãos e empresas do Governo responsáveis por
promover o “desenvolvimento” – Ministério do Interior, CODEVASF, CHESF, DNOCS
etc. – continuarão implantando a “política dos grandes projetos” – Jequitaí,
Jaíba, Congonhas, Salitre, transposição para o Nordeste Setentrional e outros –
a beneficiar grandes empresas e expulsar camponeses e povos e comunidades
tradicionais. Estesconvivem há séculos com os limites e potenciais do Velho Rio
da Unidade Nacional e, assim, sinalizam critérios fundamentais para que o
desenvolvimento seja abrangente, integral, multidimensional e sustentável de
verdade.
O baixo
volume de água do São Francisco não se deve exclusivamente à falta de chuvas,
mas está diretamente relacionado ao uso degradante das águas superficiais e
subterrâneas e do espaço geográfico da Bacia. As águas que também deveriam
correr nas veredas, encher lagoas marginais e molhar vazantes estão alimentando
monocultivos de eucalipto, soja, cana de açúcar, sugadas por moto-bombas, poços
tubulares e pivôs centrais, entre outros. São consumidas e contaminadas pelas
mineradoras e siderúrgicas. Servem aos interesses lucrativos de empresas de
energia.
Os
camponeses, povos e comunidades tradicionais e organizações populares lutam pra
fazer a sua parte. Tal é o caso das revitalizações dos afluentes e subafluentes
Rios dos Cochos, Peruaçú, Serra BRANCA
, Verde, Mocambo, entre outros – alguns apoiados pelo Comitê da
Bacia com recursos de cobrança de outorgas de água –, do Projeto de
Assentamento Extrativista em Serra do Ramalho, de quilombos, terras indígenas e
assentamentos de reforma agrária ao longo dos rios e em territórios da Bacia e
tantas outras experiências importantes.
Neste
momento de gravidade e caos eminentes, exigimos que as instituições dos
Governos Federal e Estaduais da Bacia e o Comitê da Bacia declarem MORATÓRIA
PARA O RIO SÃO FRANCISCO: suspensão de novos licenciamentos e outorgas de água
para grandes e médios projetos e revisão dos já concedidos na Bacia do Rio São
Francisco. Propomos
que, além de retomar e ampliar o relegado Programa de Revitalização, realizem
em caráter de urgência uma avaliação hidro-ambiental integrada de toda a Bacia,
por pesquisadores das Universidades Públicas e técnicos do Estado, e a partir
destes dados e informações se definam novos e mais restritivos parâmetros de
uso das águas, matas e solos da Bacia:
1º) em
caráter de emergência, para as águas acumuladas nas barragens, para amenizar a
situação atual;
2º) em
caráter permanente, para garantir condição de vida para o Rio e o Povo do Rio e
evitar a sua extinção.
Conclamamos
a população da Bacia do São Francisco, o povo brasileiro em geral e seus
representantes a lutar por esta Moratória, a exigir seu imediato cumprimento,
antes que seja tarde!
São
Francisco Vivo, Terra Água Rio e Povo!
Articulação
Popular São Francisco Vivo.
Bacia do Rio São
Francisco, 27 de agosto de 2014.
Fonte para edição no Rema:
Ruben Siqueira
Comissão Pastoral da Terra /
Bahia
Articulação Popular São
Francisco Vivo
Sobre o assunto:
Seca na Grande São Paulo continua
Setor de energia brasileiro passa
por período complicado
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/setor-de-energia-brasileiro-passa-por-periodo-complicado/view