Manifesto: Riscos previsíveis e conseqüências incalculáveis da Transposição.
Primeiro manifesto à Nação, sobre as questões da Transposição do Rio São Francisco, realizado por Apolo Lisboa (Idealizador e coordenador do Projeto Manuelzão) e colaboradores. Esse manifesto deu início à saga das discussões havidas, sobre o polêmico projeto da transposição do Velho Chico, até o presente momento.
Publicado em : 18 de Mai de 2005
Manifesto: Riscos previsíveis e conseqüências incalculáveis da Transposição
Manifesto ao País
A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO
Riscos previsíveis Conseqüências incalculáveis
Brasília, 29 de novembro de 2004.
Sob todos os aspectos, a transposição das águas do rio São Francisco representa uma decisão equivocada, insustentável em termos políticos e técnicos sérios, com riscos econômicos, éticos e ambientais previsíveis e com conseqüências incalculáveis.
Do ponto de vista hidrológico, esses riscos decorrem dos limites impostos pela utilização das suas águas para fins de geração de energia e irrigação. Do total alocável de 360 m³/s, já se encontram efetivamente alocados 335 m³/s, caso os usos outorgados sejam de fato implementados. Não são disponíveis, portanto, os 63 até 127 m³/s requeridos para a transposição.
Energeticamente, numa conjuntura de escassez e horizonte de crescimento da demanda por energia, será necessário transpor elevadas altitudes e bombear água a grandes distâncias. Considerando-se, para cálculos, a vazão média de 63,5 m³/s, a potência instalada no conjunto (cerca de 9.000 MW) é reduzida proporcionalmente de 3,4%, isto é, de 313 MW. Acrescendo-se aí a potência instalada para elevação desta vazão de 63,5 m³/s a 165 m, que corresponde (somente no Eixo Norte da transposição, em Cabrobó, abaixo de Sobradinho), aproximadamente a 66% do primeiro dado, tem-se: 313 MW (potência instalada perdida nas hidrelétricas) mais 207 MW (potência instalada necessária à elevação) igual a 520 MW. Esta potência equivale a 1,31 da potência instalada em Três Marias (396 MW) e a 1,18 da potência instalada em Moxotó (440 MW), numa conjuntura de escassez de energia, o que inviabiliza a transposição em termos energéticos e em termos de custo do ha irrigado.
Economicamente deve se levar em consideração o elevado custo da água para atividades agrícolas nas bacias pretendentes das águas do São Francisco, tendo em vista a previsão de R$ 0,11 por m³ ofertado quando comparado aos valores praticados na região de Petrolina e na própria bacia do São Francisco, da ordem de R$0,023 por m³, já computado o custo do bombeamento para as propriedades. Esse fato é ainda mais grave quando se considera que a água disponível no Nordeste em açudes e outros aquíferos é suficiente para satisfazer o dobro da demanda atual para abastecimento público e irrigação.
Sob a ótica ambiental, a história de decisões semelhantes em outros contextos revela desastres ecológicos irrecuperáveis. No caso da bacia do rio São Francisco, particularmente previsíveis, são os riscos de salinização do solo e de perda de água através da evaporação.
A água, como direito humano fundamental, decorre do fato de ser um elemento essencial à vida e, por isso mesmo, considerada bem social. Desse ponto de vista, as políticas administrativas têm tratado a questão com ênfase na água como bem econômico, o que acarreta a exclusão de grande parte da população. A gestão participativa no manejo e uso da água, tendo no comitê das bacias hidrográficas o seu instrumento, é a política indicada e desejável para se administrar com êxito a questão das águas no Brasil. Nesse contexto, a transposição das águas do rio São Francisco constitui-se em mais uma tentativa de consolidar a atávica política de privilégios e exclusão social.
Obs: Esta introdução não prescinde e nem substitui a necessária leitura do documento que se segue.
Riscos previsíveis
Conseqüências incalculáveis
Brasília, 29 de novembro de 2004.
Há bacias com demandas totais de água importantíssimas (consumo doméstico, indústrias, irrigação, geração de energia hidrelétrica, principalmente) conseguindo gerir suas necessidades. Outras bacias têm excedente de água (bacias potencialmente doadoras). E há bacias com pouca água ou com má gestão para atendimento destas demandas (bacias potencialmente receptoras).
São três os requisitos essenciais para a transposição racional de água de uma bacia hidrográfica para outra, com finalidade de irrigação: haver uma bacia ou uma área com terras irrigáveis, mas com escassez de água (bacia receptora). Haver outra bacia com muita água sobrando e sem terras para irrigação (bacia doadora). Haver uma relação custo-benefício aceitável para a transposição ser feita (por gravidade ou pequena altura de elevação, com transporte a menores distâncias, etc). E que seja socioambientalmente aceitável.
Na bacia do São Francisco todos estes três requisitos são negativos. Vale lembrar que, basta um único ser desfavorável para tornar qualquer projeto de transposição uma aberração ou uma anomalia. Visto isso, e pelo exposto a seguir, pode-se, em resumo, concluir que o projeto da transposição apresenta três contradições ou características básicas:
Projeto desnecessário (inútil).
Projeto inviável econômica e socialmente e com alto custo ambiental.
Projeto prejudicial ao Nordeste e ao Brasil.
O rio São Francisco nasce em Minas Gerais indo para o Nordeste, numa providencial transposição natural de águas, levando deste Estado aproximadamente 75% do volume total de suas águas. No vale do São Francisco falta irrigar terras de boa qualidade e planas, a um custo bem menor, por falta de investimentos na infra-estrutura agrícola, de apoio técnico aos pequenos produtores e a poluição dos rios. Além disso, há necessidade de água para hidrelétricas, abastecimento humano, produção animal e sobrevivência dos ecossistemas aquáticos da bacia. O potencial irrigável da bacia é de mais de três milhões de hectares, dos quais 340.000 ha já estão efetivamente irrigados, achando-se o mesmo em constante processo de ampliação - a exigir mais água e energia. E como conceder novas outorgas aqui se elas já foram concedidas para acolá, como previsto na lógica do projeto de transposição?
No Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco consta que, de um total alocável de 360 m³/s, já se encontram efetivamente alocados 335 m³/s, caso os usos já outorgados sejam de fato implementados. Dessa forma, restaria o saldo de apenas 25 m³/s para os múltiplos usos de suas águas, seja na bacia ou mesmo para uso externo a ela (um volume diminuto, se comparado ao elevado custo inicialmente previsto do projeto de transposição, avaliado em cerca de US$ 5,5 bilhões e mais um bilhão que seria para a revitalização).
Na esfera energética o rio São Francisco é responsável pela geração de mais de 95% da energia elétrica do Nordeste, sendo o seu potencial instalado, hoje estimado em 10.800 MW, quase que integralmente explorado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF). Com a atual perspectiva de crescimento do PIB Nacional em cerca de 4% ao ano (possível e não improvável), isso poderá traduzir-se num crescimento da demanda anual de energia em cerca de 6%. Com essa situação é de se esperar que, nos próximos 12 anos, seja necessário dobrar a oferta anual de energia elétrica para o Nordeste, hoje estimada em cerca de 50 milhões de MWh. Portanto, em 2016 o Nordeste necessitará de 100 milhões de MWh para dar continuidade ao seu desenvolvimento. Desta feita, torna-se patente a existência de um real conflito no uso das águas do rio, principalmente entre o demandado pela irrigação e aquele utilizado na geração de energia em todo o Nordeste. É nesse cenário de conflito e de penúria hídrica que se pretende retirar do rio o volume necessário para abastecer cerca de 8 milhões de pessoas no Nordeste, que já contam com volumes superiores às suas necessidades acumuladas nos açudes.
Considerando-se, para cálculos, a vazão média de 63,5 m³/s, prevista na transposição, que corresponde a 23,4% da vazão alocável menos o uso atual consuntivo estimado (360-92=269 m³/s), e a 3,4% da vazão regularizada de Sobradinho (1.815 m³/s), a potência instalada no conjunto (cerca de 9.000 MW após Sobradinho) é reduzida proporcionalmente de 3,4%, isto é, de 313 MW. Acrescendo-se aí a potência instalada para elevação desta vazão de 63,5 m³/s a 165m, que corresponde (somente no Eixo Norte da transposição, em Cabrobó, abaixo de Sobradinho), aproximadamente a 66% do primeiro dado, tem-se: 313 MW (potência instalada perdida nas hidrelétricas) mais 207 MW (potência instalada necessária à elevação) igual a 520 MW. Esta potência equivale a 1,31 da potência instalada em Três Marias (396 MW) e a 1,18 da potência instalada em Moxotó (440 MW), numa conjuntura de escassez de energia, o que inviabiliza a transposição em termos energéticos e em termos de custo do ha irrigado.
Ao lado desse indesejável risco hidrológico, a proposta existente no projeto de transposição do rio São Francisco menciona que o sistema apenas estará em seu pleno funcionamento no momento em que estejam preenchidos 94% da capacidade da represa de Sobradinho (principal reservatório regularizador das vazões do rio), o que significa, numa avaliação ao longo dos últimos anos desde a inauguração desta obra, que apenas será possível a utilização de todo o sistema de sete em sete anos (Sobradinho verteu em 97 e voltou a verter em 2004) ou 15% do tempo, o que reforça a desproporção entre o custo e o benefício da obra.
Vale, porém, ressaltar que o projeto prevê uma vazão contínua de 26 m³/s, embora o conjunto terá capacidade para 127 m³/s, prevendo-se o aproveitamento das sobras da represa de Sobradinho, que pode ocorrer uma vez em cada 7 a 10 anos. É um projeto inimaginável, altamente perdulário e desprovido de qualquer senso de realidade. Imaginem as obras (grandes estações de bombeamento, tubulações, comportas, imensos canais, aquedutos, instalações elétricas etc) superdimensionadas de 26 para 127 m³/s para operar apenas alguns dias cada 7 a 10 anos!
Outra questão merecedora de atenção diz respeito ao elevado custo da água para as atividades agrícolas nas bacias receptoras das águas do rio São Francisco, tendo em vista a previsão de R$ 0,11 por m³ ofertado, constante nos estudos de impactos ambientais do projeto, quando comparado aos valores praticados na região de Petrolina (PE), na própria bacia do São Francisco, pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (CODEVASF), da ordem de R$ 0,023 por m³, já computado o custo do bombeamento da água posta nas propriedades. Deve-se observar ainda que o valor estimado da água na transposição (R$ 0,11/m³) não contempla o custo do bombeamento desde a fonte exportadora até as propriedades existentes nas bacias receptoras, o que elevará ainda mais esse valor, tornando-o proibitivo para fins de irrigação. Os juros a uma taxa de 6% ao ano, sobre o montante de 5,5 bilhões de dólares que previram para a transposição, precisam ser contabilizados no custo do hectare irrigado, que seremos obrigados a subsidiar.
O semi-árido do Nordeste tem precipitação média anual de 500mm de chuvas, ou seja, 500 milhões de litros por km². É quantidade não desprezível, pouco aproveitada por agricultores dispersos e pelas populações dos aglomerados urbanos, pela carência de recursos técnicos de manejo de água de chuva e de outras tecnologias de uso local sustentável. O sistema de açudes, criado pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) a partir de 1909, é composto de mais de 400 açudes públicos de médio e grande porte e em torno de 70 mil reservatórios particulares de pequeno porte, com capacidade acumulativa de aproximadamente 37 bilhões de m³ de água, incluindo o mega açude Castanhão, recentemente inaugurado no Ceará. Isto é suficiente para irrigar mais de 700 mil ha no semi-árido. Até hoje a água desses açudes irriga menos que 120 mil ha.
Relatório de uma comissão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), divulgado em maio de 2001, diz que o RN, cujo território está 90% no semi-árido, tem 90% das águas concentradas nos rios Açu e Apodi, justamente os dois rios que receberiam as águas de uma transposição. Só a barragem do Açu vem regularizando uma vazão de 12 a 14 m³/s, o suficiente para atender ao dobro do consumo da população atual do RN. Já o Apodí armazena menos de 10% de suas possibilidades hídricas. Por isso, o Primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos do RN não recomendou a importação de água de outros Estados.
Carlos Matos, ex-secretário de Agricultura do Ceará, em texto publicado na revista Item, nº 51, 3º trimestre de 2001, afirma que: "Atualmente o Ceará tem 62.000 ha de área irrigada, com um potencial para chegar a 170.000 ha dentro do programa de agricultura irrigada. Este potencial do Estado pode ser comparado ao do Chile, que possui 180.000ha irrigados e ao de Israel, com 200.000 ha". Carlos Matos rejeita que o avanço seja calculado apenas com base no crescimento da área física. Ele disse que hoje a área física irrigada não é o mais relevante e, sim, o quanto ela gera de renda. "Eu posso, perfeitamente, ter 1.000 ha de rosas, gerando mais renda do que 20.000 ha de uma cultura sem valor agregado. O grande problema é como agregar valor à água que está disponível". O rio Jaguaribe, por exemplo, onde a simples substituição da irrigação de arroz por melão em Iguatú-CE, já liberaria 5-6 m³/s de água do Açude de Orós, vazão suficiente para abastecer racionalmente cidade do porte de Fortaleza-CE.
Uma área de 100.000 hectares irrigada, na base mínima de 5 ha/família, assentaria no máximo 20.000 famílias ou cerca de 100.000 habitantes. Considerando-se que um emprego direto na irrigação corresponde a mais dois indiretos, seriam 300.000 pessoas direta e indiretamente beneficiadas pela irrigação. Numa população de cerca de 20 milhões de habitantes nos quatro estados nordestinos, os resultados da transposição beneficiariam direta e indiretamente 1,5% da população total.
No Eixo Norte da pretendida transposição, haveria necessidade de um recalque de 165 metros de altura e transportar esta água por um canal de concreto, ou utilizando alguns leitos naturais de rios, num percurso de mais de 2 mil quilômetros em condições de elevada evaporação e infiltração, vencendo vales, montanhas, atravessando rios. Cada hectare irrigado neste faraônico projeto deixará no mínimo dois a três hectares sem possibilidades de irrigação nas margens do São Francisco, com as perdas na transposição e da não recuperação de parte das águas, ocorrida quando se irriga dentro do próprio vale.
Além dos gastos com obras de engenharia em túneis, estações de bombeamento, construção de canais, manutenção e operacionalização do sistema, juros e amortizações sobre o capital, estes 63,5 m³/s de transposição anunciados (Eixo Norte e Eixo Leste), se bombeados 24h/dia, durante 9 meses por ano, produziriam 1,45 bilhões de m³ ao ano ou seja, menos de 3,9% dos 37 bilhões da capacidade instalada dos açudes. É importante salientar que o Eixo Leste foi criado para permitir uma articulação política com os Estados do Leste, visando apoio ao Eixo Norte, que é para projetos de irrigação.
O rio São Francisco foi mutilado por hidrelétricas, pelo lançamento de todo tipo de efluentes e rejeitos da produção, pelo desmatamento geral e a expansão urbano-industrial. Tornou-se uma bacia mecânica, sobretudo após a represa de Sobradinho. Além de assombroso assoreamento que continua, provocando crescente escassez de água nas reservas subterrâneas e no fluxo dos rios. Os peixes (indicadores de qualidade ambiental) estão praticamente desaparecendo, comparando-se com os registros históricos. A água tem sido vista quase sempre como recurso hídrico para fins setoriais, dissociada do ciclo hidrológico, não como produto geo-eco-sistêmico de uma gestão sustentável das bacias.
Consideramos uma eventual transposição como mais grave para o Brasil que as fracassadas Transamazônica e Ferrovia do Aço, obras mandadas realizar à revelia da vontade popular. É importante destacar três aspectos mais: o ambiental puro, o geopolítico e o geológico.
Quanto ao ambiental puro, é necessário alertar para argumento completamente infeliz segundo o qual a entrega de águas ao mar é considerada uma espécie de desperdício. Dessa visão, que deriva de uma percepção limitada utilitarista-comercial da água, parece que ela só está no Planeta a serviço de dessedentar e de participar da elaboração de produtos alimentícios e industriais, quando sua função geoambiental é muito mais ampla. Seguindo por aí, de gota em gota desviada, o Colorado, rio do porte do São Francisco, em certas épocas do ano não entrega uma só ao mar no golfo da Califórnia, já em território mexicano. A propósito, uma das ações de revitalização mais importantes do rio São Francisco é recuperar o transporte de sedimentos ao longo do rio, porque ele faz muita falta ao mar, o que pode ser feito usando um pouco de inteligência, promovendo sucção do lodo do fundo por sifonamento, transpondo a barragem e sem causar o menor dano abrasivo às turbinas.
No plano geopolítico, o Brasil transpôs em 1926 águas do alto Tietê-Pinheiros para Cubatão, onde fez uma bela usina, e nos anos 60 fez Furnas, transpondo para o São Francisco as águas do Pium-í, que eram do rio Grande. Quando decidiu construir Itaipu, a Argentina fez exigências pesadas de compensações em parte por causa das citadas transposições. Se o Brasil fizer a transposição do São Francisco, não estará apenas desrespeitando, mais uma vez, e agora internamente, direitos naturais de ribeirinhos que há muito deveriam constar do formal, porque estará expondo-se, na condição de País de jusante, a derivações semelhantes e de grande porte do Alto Amazonas para a vertente do Pacífico, por exemplo, a partir do Rio Marañon, sem nada poder fazer, porque estará manietado pela transposição do São Francisco, que de fato estabelecerá uma doutrina segundo a qual transposições podem ser feitas.
Do ponto de vista geológico essas transposições são de fato transferências de patrimônio territorial, assim: se fosse possível transferir fisicamente as águas termais de Caldas Novas (GO) para Minas Gerais ou as jazidas de petróleo do Iraque para o Texas (EEUU), o efeito seria o mesmo, porque seriam transferências de fatores essenciais da sustentabilidade que caracterizam os territórios. No caso da transposição do Alto Amazonas, sem perder essa característica essencial, a transposição de pouca água seria muito representativa em volume de sedimentos, que é a matéria prima da construção de territórios mediante o processo geológico. Isto aconteceria porque a região andina representa apenas 12% da bacia Amazônia, mas responde por 84% do sedimento transportado pelo rio, que, por sua vez, responde pela estabilidade de margens do Amazonas, de costas de ilhas como Marajó e até da costa nordeste setentrional da América do Sul até a foz do rio Orenoco para onde as correntes marinhas levam o sedimento do Amazonas.
Havendo estes bilhões de dólares anunciados generosamente para a transposição, que se aplique na revitalização, na promoção de saúde, na educação pública e na gestão adequada do semi-árido. Somente em casos bem especiais de abastecimento humano um fornecimento de água se justificaria. Concordamos com a posição do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), autorizando outorga para dessedentação, desde que comprovadamente necessária, esgotados os recursos hídricos locais. Mas nada de obra faraônica para outros fins, usando para isto o falso argumento "humanitário". Não podemos esquecer que há gente passando sede ou tomando água suja tanto no semi-árido nordestino, nas proximidades dos grandes açudes, como às margens do rio São Francisco em Minas e na Bahia. O argumento de matar a sede do nordestino por meio da transposição não procede. A indústria da seca está mascarando as verdadeiras causas da miséria. Para saciar realmente a sede dos sertanejos basta construir pequenas adutoras e obras hidráulicas a partir das águas armazenadas nos açudes já construídos. Para saciar, porém, a insaciável sede dos industriais das secas, aí serão necessárias grandes e caríssimas obras, como as planejadas nestas transposições. Analogamente, temos visto prosperar nas grandes cidades a indústria da enchente, onde se joga fora dinheiro público rubricado como do saneamento em obras desnecessárias de drenagem com canalizações de rios. A promoção de enchentes é seguida de obras de contenção de enchentes.
Em Minas Gerais, temos o Projeto Jaíba. Nas margens do rio São Francisco, com menos de 20 m de recalque e 600 m de canal de chamada, a água alcança o terreno a ser irrigado e todo o excesso de irrigação retorna ao rio. Com tudo isso (projeto barato e viável), as obras, iniciadas em 1973 e previstas para terminarem em 1979, caminham, por falta de recursos, a passos lentos, alcançando, em 2004, apenas uns 15.000 hectares da área programada para a irrigação de 100.000 ha.
Não há excedente de água no Rio São Francisco, pois seu volume total, inclusive prevendo-se todas as barragens necessárias à sua plena regularização, não seria suficiente para regar mais de 3 (três) milhões de hectares de suas terras planas, próprias para irrigação, já levantadas pela CODEVASF, em parceria com o "U.S. Bureau of Reclamation" dos Estados Unidos. Deve-se observar que estas áreas se localizam no Médio e Sub-médio São Francisco, portando dentro do Polígono das Secas. Comparando-se com a bacia do rio Tocantins que tem aproximadamente a mesma área a bacia do rio São Francisco é pobre hidrologicamente. A construção de mais represas para atender à crescente demanda de energia elétrica acabará com o que resta do fenômeno da piracema, reterá mais sedimentos, e alterará ainda mais a turbidez e a temperatura das águas, praticamente acabando com a biodiversidade do rio São Francisco. A vazão artificialmente regularizada através de obras gigantescas (há outras alternativas) eliminou as enchentes sazonais e as lagoas marginais, criatórios naturais dos peixes. O argumento de que o rio São Francisco está com a mesma vazão de séculos atrás, devido ao papel regularizador das barragens, não pode esconder o fato de que as nascentes, os ribeirões e afluentes maiores do rio São Francisco estão secando e todo o rio com seus barramentos sendo significativamente assoreados.
Essas questões, em si, são graves e de interesse nacional. Parece-nos muito estranho o fato de o projeto da transposição das águas do rio do São Francisco estar sendo discutido, elaborado e encaminhado à revelia da sociedade brasileira e, de modo especial, da população afetada.
Impõe-se a revitalização da bacia do rio São Francisco, sem condicioná-la à transposição. A revitalização prioriza a adoção de cuidados na gestão das águas e dos ecossistemas, a adequação técnica dos usos e formas de ocupação do solo ao ciclo hidrológico, sobretudo em regiões como o semi-árido. Somente uma absoluta ignorância técnica ou interesses espúrios de consultores e de empreiteiras, de fazer obra pela obra, articulados por lobbies políticos e empresariais, pode explicar este projeto de transposição.
O governo Lula precisa ter um pouco mais de sensibilidade no trato de temas polêmicos e importantes como esse, onde costumam entrar em cena os anseios de boa parte da população brasileira. A transposição será um grande atoleiro para o País, afundando a sociedade e o governo. A advertência está feita.
É, no mínimo, muito estranha a tendência do governo federal de minar o papel dos comitês de bacia na gestão ambiental das águas, de forma compartilhada e integrando empresários, governo e movimentos sociais, marco do avanço democrático institucional do Brasil, sem precedentes em nossa história. Configura-se um retrocesso político inaceitável o tratamento que está recebendo o CBHSF, e a utilização de métodos anti-democráticos de aprovação da transposição, forçando a aprovação no Conselho Nacional de Recursos Hídricos onde o governo tem total controle, e sem exame do projeto nas suas Câmaras Técnicas. Um governo democrático não pode agir assim, tratorando a dimensão política da questão e desconhecendo a rejeição generalizada do projeto pela sociedade. Esta atitude afronta totalmente o Plano de Recursos Hídricos recentemente aprovado pelo CBH do São Francisco e a Carta de Princípios deste Comitê. São lamentáveis as posturas política e técnica da Agência Nacional de Águas, da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, dos Ministérios da Integração Regional e do Meio Ambiente. Estamos assistindo na violência da transposição imposta à sociedade a destruição de nosso incipiente Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e o início de uma aventura sem retorno.
Tiveram participação especial na estruturação deste texto, além de diversas entidades e técnicos que o subscrevem, os seguintes especialistas: Alberto Daker (MG), Aldo Rebouças (SP), João Abner Júnior (RN), João Suassuna (PE), Apolo Heringer Lisboa (MG), Edézio Teixeira de Carvalho (MG), Luiz Roberto Santos Moraes (BA), Marco Antonio Tavares Coelho (SP).
ENTIDADES QUE ASSINAM:
1. Projeto Manuelzão/UFMG - MG
2. Instituto Guaicuy - SOS Rio das Velhas - MG
3. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas - MG
4. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
5. Fundação Joaquim Nabuco Recife/PE
6. Fundação Gilberto Freyre Recife/PE
7. Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA) - MG
8. Laboratório de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da UFRN Natal/RN
9. Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais
10. ONG Mãos Limpas - MG
11. Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) - SP
12. Fundação Brasil Cidadão - CE
13. Instituto Baía de Guanabara - RJ
14. Greenpeace - Belo Horizonte/MG
15. Associação de Maricultores de Palhoça - SC
16. Fé Social - BA
17. Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (AQUASIS) - CE
18. Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro Santos/SP
19. Associação Vila-Velhense de Proteção ambiental (AVIDEPA) - ES
20. Instituto Baleia Jubarte - BA
21. Associação MarBrasil - PR
22. Grupo de Recomposição Ambiental (GERMEN) - BA
23. Centro Golfinho Rotador - Fernando de Noronha/PE
24. Pró-Mar - Ilha de Itaparica/BA
25. Coalizão Internacional da Vida Silvestre - SC
26. Associação Civil de Recursos Hídricos (CIBAPAR) - MG
27. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba - MG
28. Fórum Mineiro de Comitês de Bacia - MG
29. Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais/UFMG (GESTA) -MG
30. Escola Mangue Recife/PE
31. Associação Rede Cananéia - SP
32. Instituto Recifes Costeiros - PE
33. Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ) - BA
34. Fórum Brasileiro de ONG's e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Brasília/DF
35. Amigos da Prainha do Canto Verde - CE
36. Instituto Terramar Fortaleza/CE
37. Instituto Pró-Rio Doce - Governador Valadares/MG
38. Associação Caatinga Fortaleza/CE
39. Centro de Estudos AMBIO - SP
40. ONG 4 Cantos do Mundo - Belo Horizonte/MG
41. Amigos do Meio Ambiente Muriaé/MG
42. Fórum de Defesa do Rio São Francisco - SE
43. Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação - Belo Horizonte/MG
44. Fórum Mineiro de ONGs - MG
45. Movimento Verde de Paracatu Paracatu/MG
46. Fundação Relictos Ipatinga/MG
47. Vibra-Mais - Vida para a Bacia do Ribeirão Arrudas - Meio Ambiente e Integração Social Belo Horizonte/MG
Novas adesões a partir de 29/11/2004
ENTIDADES QUE ASSINAM:
48. Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) MG
49. Sindicato dos Geólogos no Estado de Minas Gerais (SINGEO) MG
50. Comissão da Produção Orgânica no Estado de Minas Gerais - MG
51. Associação Preparando Pessoas (APP ) Indaiatuba/SP
52. Liga de Entidades Ambientalistas da Bahia (LIGAMBIENTE) - BA
53. Associação dos Moradores de Mapele (AMAPELE) - Simões Filho/BA
54. Instituto Baía de Todos os Santos (IBTS) Salvador/BA
55. Associação dos Amigos do Parque São Bartolomeu Pirajá (AAPSB/P ) - Salvador/BA
56. ONG Sócio Ambientalista (CURURUPEBA) - Madre de Deus/BA
57. OURIÇO - Grupo Ambientalista Salvador/BA
58. Sociedade Movimento Trem de Ferro Salvador- BA
59. Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) Salvador/BA
60. ABENC - BA
61. ABONG - BA
62. ADS
63. Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado da Bahia (AEABA) - Salvador/BA
64. Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Estado da Bahia (APEDEMA) - BA
65. Articulação do Semi-Árido (ASA) -
66. Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) - Gentio do Ouro/BA
67. Cáritas Brasileira
68. Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) Salvador/BA
69. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB NE III)
70. Colônia de Pescadores de Remanso - BA
71. Colônia de Pescadores de Casa Nova - BA
72. Colônia de Pescadores de Pilão Arcado - BA
73. Colônia de Pescadores de Sento Sergipe e Bahia
74. Comissão Pastoral dos Pescadores Salvador/BA
75. Consulta Popular
76. Comissão Pastoral da Terra (CPT/BA) Salvador - BA
77. Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA/BA) - Salvador/BA
78. Central Única dos Trabalhadores (CUT) - BA
79. Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG) - BA
80. FUNDIFRAN
81. Grupo de Resistência Rural e Ambiental (GARRA) Irecê/BA
82. IDA
83. IRPAA
84. Instituto Ambiental da Bahia (IAMBA) Salvador/BA
85. Movimento de Cidadania Pelas Águas Correntina/BA
86. Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania - Salvador/BA
87. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB ) - BA
88. Pólo Sindical do Submédio São Francisco - PE/BA
89. SASOP
90. SENGE - BA
91. SINDAE - BA
92. SINERGIA - BA
93. SINFRAJUPE - BA
94. SINJORBA
95. Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (FUNDESPA)
96. Grupo de Apoio Itaparicano Ambiental e Humanístico (GAIAH) - BA
97. Federação das Ong's da Ilha de Itaparica e Região - BA
98. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO)
99. Amigos da Justiça Ambiental (AJA) - RJ
100. Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA) - RJ
101. Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA)
102. Associação em Defesa dos Reclamantes e Ultimados por Doença de Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio - ADRUT PA
103. Associação dos Moradores da Lauro Miller e Adjacências (ALMA) RJ
104. Associação de Vítimas do Césio (VC) - GO
105. Associação Caeté - SC
106. Associação de Moradores de Barão de Iriri - Magé/RJ
107. Associação de Combate aos POPs (ACPO) - SP
108. Associação Livre para Gerenciamento Ambiental (ALGA)
109. Associação Projeto Roda Viva RJ
110. Brasil Sustentável e Democrático
111. Centro de Estudos Ambientais (CEA)
112. Central Única dos Trabalhadores (CUT)
113. Comissão Pastoral da Terra (CPT)- MT
114. Central Única dos Trabalhadores (CUT) RR
115. Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana CESTEH/ENSP/FIOCRUZ RJ
116. Coalizão Rios Vivos -MS
117. Comissão dos Atingidos pela Barragem de Irapé MG
118. Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) RJ
119. Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) ES
120. ECOA - MS
121. FASE
122. Federação de Entidades Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN) - AM
123. Fórum para o Desenvolvimento e Meio Ambiente (FORMAD) - MT
124. Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará/CE
125. Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (CEBRAC) DF
126. Fundação Viver Produzir e Preservar PA
127. Grupo de Estudos sobre Temáticas Ambientais GESTA/UFMG) - MG
128. Instituto Brasileiro de Análises Sócio Econômicos (IBASE)
129. Instituto de Estudos Sócio Econômicos (INESC) - DF
130. Instituto Terrazul - CE
131. Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade, Trabalho e Ambiente -ICHF/UFF RJ
132. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) - Manso
133. Movimento Cultura de Rua CE
134. Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu - MA
135. Observatório de Conflitos Ambientais - CHILE
136. Os Verdes/Movimento de Ecologia Social RJ
137. Rede Alerta contra o Deserto Verde ES/BA/RJ/MG
138. Rede Ecosocialista Caiçara Cubatão/SP
139. Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto
140. OILWATCH (EQUADOR)
141. Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo/SP
142. Sindicato de Petroleiros de Caxias - RJ
143. Sindicato dos Químicos de Bacarena - PA
144. Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porto de Moz PA
145. Sindicato dos Químicos Unificados - Osasco, Campinas, Vinhedo e Região
146. Sociedade Praense de Defesa dos Direitos (SDDH) PA
147. Terra de Direitos PR
148. Conselho Pastoral dos Pescadores
149. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) - Porto Alegre/RS
Novas adesões pelos e-mails: manuelzao@manuelzao.ufmg.br ou ludlana@medicina.ufmg.br. Favor enviar nome da entidade completo, sigla, cidade e estado.
Divulgado por Apolo Heringer Lisboa (apolohl@medicina.ufmg.br)
A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO
Riscos previsíveis Conseqüências incalculáveis
Brasília, 29 de novembro de 2004.
Sob todos os aspectos, a transposição das águas do rio São Francisco representa uma decisão equivocada, insustentável em termos políticos e técnicos sérios, com riscos econômicos, éticos e ambientais previsíveis e com conseqüências incalculáveis.
Do ponto de vista hidrológico, esses riscos decorrem dos limites impostos pela utilização das suas águas para fins de geração de energia e irrigação. Do total alocável de 360 m³/s, já se encontram efetivamente alocados 335 m³/s, caso os usos outorgados sejam de fato implementados. Não são disponíveis, portanto, os 63 até 127 m³/s requeridos para a transposição.
Energeticamente, numa conjuntura de escassez e horizonte de crescimento da demanda por energia, será necessário transpor elevadas altitudes e bombear água a grandes distâncias. Considerando-se, para cálculos, a vazão média de 63,5 m³/s, a potência instalada no conjunto (cerca de 9.000 MW) é reduzida proporcionalmente de 3,4%, isto é, de 313 MW. Acrescendo-se aí a potência instalada para elevação desta vazão de 63,5 m³/s a 165 m, que corresponde (somente no Eixo Norte da transposição, em Cabrobó, abaixo de Sobradinho), aproximadamente a 66% do primeiro dado, tem-se: 313 MW (potência instalada perdida nas hidrelétricas) mais 207 MW (potência instalada necessária à elevação) igual a 520 MW. Esta potência equivale a 1,31 da potência instalada em Três Marias (396 MW) e a 1,18 da potência instalada em Moxotó (440 MW), numa conjuntura de escassez de energia, o que inviabiliza a transposição em termos energéticos e em termos de custo do ha irrigado.
Economicamente deve se levar em consideração o elevado custo da água para atividades agrícolas nas bacias pretendentes das águas do São Francisco, tendo em vista a previsão de R$ 0,11 por m³ ofertado quando comparado aos valores praticados na região de Petrolina e na própria bacia do São Francisco, da ordem de R$0,023 por m³, já computado o custo do bombeamento para as propriedades. Esse fato é ainda mais grave quando se considera que a água disponível no Nordeste em açudes e outros aquíferos é suficiente para satisfazer o dobro da demanda atual para abastecimento público e irrigação.
Sob a ótica ambiental, a história de decisões semelhantes em outros contextos revela desastres ecológicos irrecuperáveis. No caso da bacia do rio São Francisco, particularmente previsíveis, são os riscos de salinização do solo e de perda de água através da evaporação.
A água, como direito humano fundamental, decorre do fato de ser um elemento essencial à vida e, por isso mesmo, considerada bem social. Desse ponto de vista, as políticas administrativas têm tratado a questão com ênfase na água como bem econômico, o que acarreta a exclusão de grande parte da população. A gestão participativa no manejo e uso da água, tendo no comitê das bacias hidrográficas o seu instrumento, é a política indicada e desejável para se administrar com êxito a questão das águas no Brasil. Nesse contexto, a transposição das águas do rio São Francisco constitui-se em mais uma tentativa de consolidar a atávica política de privilégios e exclusão social.
Obs: Esta introdução não prescinde e nem substitui a necessária leitura do documento que se segue.
Riscos previsíveis
Conseqüências incalculáveis
Brasília, 29 de novembro de 2004.
Há bacias com demandas totais de água importantíssimas (consumo doméstico, indústrias, irrigação, geração de energia hidrelétrica, principalmente) conseguindo gerir suas necessidades. Outras bacias têm excedente de água (bacias potencialmente doadoras). E há bacias com pouca água ou com má gestão para atendimento destas demandas (bacias potencialmente receptoras).
São três os requisitos essenciais para a transposição racional de água de uma bacia hidrográfica para outra, com finalidade de irrigação: haver uma bacia ou uma área com terras irrigáveis, mas com escassez de água (bacia receptora). Haver outra bacia com muita água sobrando e sem terras para irrigação (bacia doadora). Haver uma relação custo-benefício aceitável para a transposição ser feita (por gravidade ou pequena altura de elevação, com transporte a menores distâncias, etc). E que seja socioambientalmente aceitável.
Na bacia do São Francisco todos estes três requisitos são negativos. Vale lembrar que, basta um único ser desfavorável para tornar qualquer projeto de transposição uma aberração ou uma anomalia. Visto isso, e pelo exposto a seguir, pode-se, em resumo, concluir que o projeto da transposição apresenta três contradições ou características básicas:
Projeto desnecessário (inútil).
Projeto inviável econômica e socialmente e com alto custo ambiental.
Projeto prejudicial ao Nordeste e ao Brasil.
O rio São Francisco nasce em Minas Gerais indo para o Nordeste, numa providencial transposição natural de águas, levando deste Estado aproximadamente 75% do volume total de suas águas. No vale do São Francisco falta irrigar terras de boa qualidade e planas, a um custo bem menor, por falta de investimentos na infra-estrutura agrícola, de apoio técnico aos pequenos produtores e a poluição dos rios. Além disso, há necessidade de água para hidrelétricas, abastecimento humano, produção animal e sobrevivência dos ecossistemas aquáticos da bacia. O potencial irrigável da bacia é de mais de três milhões de hectares, dos quais 340.000 ha já estão efetivamente irrigados, achando-se o mesmo em constante processo de ampliação - a exigir mais água e energia. E como conceder novas outorgas aqui se elas já foram concedidas para acolá, como previsto na lógica do projeto de transposição?
No Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco consta que, de um total alocável de 360 m³/s, já se encontram efetivamente alocados 335 m³/s, caso os usos já outorgados sejam de fato implementados. Dessa forma, restaria o saldo de apenas 25 m³/s para os múltiplos usos de suas águas, seja na bacia ou mesmo para uso externo a ela (um volume diminuto, se comparado ao elevado custo inicialmente previsto do projeto de transposição, avaliado em cerca de US$ 5,5 bilhões e mais um bilhão que seria para a revitalização).
Na esfera energética o rio São Francisco é responsável pela geração de mais de 95% da energia elétrica do Nordeste, sendo o seu potencial instalado, hoje estimado em 10.800 MW, quase que integralmente explorado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF). Com a atual perspectiva de crescimento do PIB Nacional em cerca de 4% ao ano (possível e não improvável), isso poderá traduzir-se num crescimento da demanda anual de energia em cerca de 6%. Com essa situação é de se esperar que, nos próximos 12 anos, seja necessário dobrar a oferta anual de energia elétrica para o Nordeste, hoje estimada em cerca de 50 milhões de MWh. Portanto, em 2016 o Nordeste necessitará de 100 milhões de MWh para dar continuidade ao seu desenvolvimento. Desta feita, torna-se patente a existência de um real conflito no uso das águas do rio, principalmente entre o demandado pela irrigação e aquele utilizado na geração de energia em todo o Nordeste. É nesse cenário de conflito e de penúria hídrica que se pretende retirar do rio o volume necessário para abastecer cerca de 8 milhões de pessoas no Nordeste, que já contam com volumes superiores às suas necessidades acumuladas nos açudes.
Considerando-se, para cálculos, a vazão média de 63,5 m³/s, prevista na transposição, que corresponde a 23,4% da vazão alocável menos o uso atual consuntivo estimado (360-92=269 m³/s), e a 3,4% da vazão regularizada de Sobradinho (1.815 m³/s), a potência instalada no conjunto (cerca de 9.000 MW após Sobradinho) é reduzida proporcionalmente de 3,4%, isto é, de 313 MW. Acrescendo-se aí a potência instalada para elevação desta vazão de 63,5 m³/s a 165m, que corresponde (somente no Eixo Norte da transposição, em Cabrobó, abaixo de Sobradinho), aproximadamente a 66% do primeiro dado, tem-se: 313 MW (potência instalada perdida nas hidrelétricas) mais 207 MW (potência instalada necessária à elevação) igual a 520 MW. Esta potência equivale a 1,31 da potência instalada em Três Marias (396 MW) e a 1,18 da potência instalada em Moxotó (440 MW), numa conjuntura de escassez de energia, o que inviabiliza a transposição em termos energéticos e em termos de custo do ha irrigado.
Ao lado desse indesejável risco hidrológico, a proposta existente no projeto de transposição do rio São Francisco menciona que o sistema apenas estará em seu pleno funcionamento no momento em que estejam preenchidos 94% da capacidade da represa de Sobradinho (principal reservatório regularizador das vazões do rio), o que significa, numa avaliação ao longo dos últimos anos desde a inauguração desta obra, que apenas será possível a utilização de todo o sistema de sete em sete anos (Sobradinho verteu em 97 e voltou a verter em 2004) ou 15% do tempo, o que reforça a desproporção entre o custo e o benefício da obra.
Vale, porém, ressaltar que o projeto prevê uma vazão contínua de 26 m³/s, embora o conjunto terá capacidade para 127 m³/s, prevendo-se o aproveitamento das sobras da represa de Sobradinho, que pode ocorrer uma vez em cada 7 a 10 anos. É um projeto inimaginável, altamente perdulário e desprovido de qualquer senso de realidade. Imaginem as obras (grandes estações de bombeamento, tubulações, comportas, imensos canais, aquedutos, instalações elétricas etc) superdimensionadas de 26 para 127 m³/s para operar apenas alguns dias cada 7 a 10 anos!
Outra questão merecedora de atenção diz respeito ao elevado custo da água para as atividades agrícolas nas bacias receptoras das águas do rio São Francisco, tendo em vista a previsão de R$ 0,11 por m³ ofertado, constante nos estudos de impactos ambientais do projeto, quando comparado aos valores praticados na região de Petrolina (PE), na própria bacia do São Francisco, pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (CODEVASF), da ordem de R$ 0,023 por m³, já computado o custo do bombeamento da água posta nas propriedades. Deve-se observar ainda que o valor estimado da água na transposição (R$ 0,11/m³) não contempla o custo do bombeamento desde a fonte exportadora até as propriedades existentes nas bacias receptoras, o que elevará ainda mais esse valor, tornando-o proibitivo para fins de irrigação. Os juros a uma taxa de 6% ao ano, sobre o montante de 5,5 bilhões de dólares que previram para a transposição, precisam ser contabilizados no custo do hectare irrigado, que seremos obrigados a subsidiar.
O semi-árido do Nordeste tem precipitação média anual de 500mm de chuvas, ou seja, 500 milhões de litros por km². É quantidade não desprezível, pouco aproveitada por agricultores dispersos e pelas populações dos aglomerados urbanos, pela carência de recursos técnicos de manejo de água de chuva e de outras tecnologias de uso local sustentável. O sistema de açudes, criado pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) a partir de 1909, é composto de mais de 400 açudes públicos de médio e grande porte e em torno de 70 mil reservatórios particulares de pequeno porte, com capacidade acumulativa de aproximadamente 37 bilhões de m³ de água, incluindo o mega açude Castanhão, recentemente inaugurado no Ceará. Isto é suficiente para irrigar mais de 700 mil ha no semi-árido. Até hoje a água desses açudes irriga menos que 120 mil ha.
Relatório de uma comissão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), divulgado em maio de 2001, diz que o RN, cujo território está 90% no semi-árido, tem 90% das águas concentradas nos rios Açu e Apodi, justamente os dois rios que receberiam as águas de uma transposição. Só a barragem do Açu vem regularizando uma vazão de 12 a 14 m³/s, o suficiente para atender ao dobro do consumo da população atual do RN. Já o Apodí armazena menos de 10% de suas possibilidades hídricas. Por isso, o Primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos do RN não recomendou a importação de água de outros Estados.
Carlos Matos, ex-secretário de Agricultura do Ceará, em texto publicado na revista Item, nº 51, 3º trimestre de 2001, afirma que: "Atualmente o Ceará tem 62.000 ha de área irrigada, com um potencial para chegar a 170.000 ha dentro do programa de agricultura irrigada. Este potencial do Estado pode ser comparado ao do Chile, que possui 180.000ha irrigados e ao de Israel, com 200.000 ha". Carlos Matos rejeita que o avanço seja calculado apenas com base no crescimento da área física. Ele disse que hoje a área física irrigada não é o mais relevante e, sim, o quanto ela gera de renda. "Eu posso, perfeitamente, ter 1.000 ha de rosas, gerando mais renda do que 20.000 ha de uma cultura sem valor agregado. O grande problema é como agregar valor à água que está disponível". O rio Jaguaribe, por exemplo, onde a simples substituição da irrigação de arroz por melão em Iguatú-CE, já liberaria 5-6 m³/s de água do Açude de Orós, vazão suficiente para abastecer racionalmente cidade do porte de Fortaleza-CE.
Uma área de 100.000 hectares irrigada, na base mínima de 5 ha/família, assentaria no máximo 20.000 famílias ou cerca de 100.000 habitantes. Considerando-se que um emprego direto na irrigação corresponde a mais dois indiretos, seriam 300.000 pessoas direta e indiretamente beneficiadas pela irrigação. Numa população de cerca de 20 milhões de habitantes nos quatro estados nordestinos, os resultados da transposição beneficiariam direta e indiretamente 1,5% da população total.
No Eixo Norte da pretendida transposição, haveria necessidade de um recalque de 165 metros de altura e transportar esta água por um canal de concreto, ou utilizando alguns leitos naturais de rios, num percurso de mais de 2 mil quilômetros em condições de elevada evaporação e infiltração, vencendo vales, montanhas, atravessando rios. Cada hectare irrigado neste faraônico projeto deixará no mínimo dois a três hectares sem possibilidades de irrigação nas margens do São Francisco, com as perdas na transposição e da não recuperação de parte das águas, ocorrida quando se irriga dentro do próprio vale.
Além dos gastos com obras de engenharia em túneis, estações de bombeamento, construção de canais, manutenção e operacionalização do sistema, juros e amortizações sobre o capital, estes 63,5 m³/s de transposição anunciados (Eixo Norte e Eixo Leste), se bombeados 24h/dia, durante 9 meses por ano, produziriam 1,45 bilhões de m³ ao ano ou seja, menos de 3,9% dos 37 bilhões da capacidade instalada dos açudes. É importante salientar que o Eixo Leste foi criado para permitir uma articulação política com os Estados do Leste, visando apoio ao Eixo Norte, que é para projetos de irrigação.
O rio São Francisco foi mutilado por hidrelétricas, pelo lançamento de todo tipo de efluentes e rejeitos da produção, pelo desmatamento geral e a expansão urbano-industrial. Tornou-se uma bacia mecânica, sobretudo após a represa de Sobradinho. Além de assombroso assoreamento que continua, provocando crescente escassez de água nas reservas subterrâneas e no fluxo dos rios. Os peixes (indicadores de qualidade ambiental) estão praticamente desaparecendo, comparando-se com os registros históricos. A água tem sido vista quase sempre como recurso hídrico para fins setoriais, dissociada do ciclo hidrológico, não como produto geo-eco-sistêmico de uma gestão sustentável das bacias.
Consideramos uma eventual transposição como mais grave para o Brasil que as fracassadas Transamazônica e Ferrovia do Aço, obras mandadas realizar à revelia da vontade popular. É importante destacar três aspectos mais: o ambiental puro, o geopolítico e o geológico.
Quanto ao ambiental puro, é necessário alertar para argumento completamente infeliz segundo o qual a entrega de águas ao mar é considerada uma espécie de desperdício. Dessa visão, que deriva de uma percepção limitada utilitarista-comercial da água, parece que ela só está no Planeta a serviço de dessedentar e de participar da elaboração de produtos alimentícios e industriais, quando sua função geoambiental é muito mais ampla. Seguindo por aí, de gota em gota desviada, o Colorado, rio do porte do São Francisco, em certas épocas do ano não entrega uma só ao mar no golfo da Califórnia, já em território mexicano. A propósito, uma das ações de revitalização mais importantes do rio São Francisco é recuperar o transporte de sedimentos ao longo do rio, porque ele faz muita falta ao mar, o que pode ser feito usando um pouco de inteligência, promovendo sucção do lodo do fundo por sifonamento, transpondo a barragem e sem causar o menor dano abrasivo às turbinas.
No plano geopolítico, o Brasil transpôs em 1926 águas do alto Tietê-Pinheiros para Cubatão, onde fez uma bela usina, e nos anos 60 fez Furnas, transpondo para o São Francisco as águas do Pium-í, que eram do rio Grande. Quando decidiu construir Itaipu, a Argentina fez exigências pesadas de compensações em parte por causa das citadas transposições. Se o Brasil fizer a transposição do São Francisco, não estará apenas desrespeitando, mais uma vez, e agora internamente, direitos naturais de ribeirinhos que há muito deveriam constar do formal, porque estará expondo-se, na condição de País de jusante, a derivações semelhantes e de grande porte do Alto Amazonas para a vertente do Pacífico, por exemplo, a partir do Rio Marañon, sem nada poder fazer, porque estará manietado pela transposição do São Francisco, que de fato estabelecerá uma doutrina segundo a qual transposições podem ser feitas.
Do ponto de vista geológico essas transposições são de fato transferências de patrimônio territorial, assim: se fosse possível transferir fisicamente as águas termais de Caldas Novas (GO) para Minas Gerais ou as jazidas de petróleo do Iraque para o Texas (EEUU), o efeito seria o mesmo, porque seriam transferências de fatores essenciais da sustentabilidade que caracterizam os territórios. No caso da transposição do Alto Amazonas, sem perder essa característica essencial, a transposição de pouca água seria muito representativa em volume de sedimentos, que é a matéria prima da construção de territórios mediante o processo geológico. Isto aconteceria porque a região andina representa apenas 12% da bacia Amazônia, mas responde por 84% do sedimento transportado pelo rio, que, por sua vez, responde pela estabilidade de margens do Amazonas, de costas de ilhas como Marajó e até da costa nordeste setentrional da América do Sul até a foz do rio Orenoco para onde as correntes marinhas levam o sedimento do Amazonas.
Havendo estes bilhões de dólares anunciados generosamente para a transposição, que se aplique na revitalização, na promoção de saúde, na educação pública e na gestão adequada do semi-árido. Somente em casos bem especiais de abastecimento humano um fornecimento de água se justificaria. Concordamos com a posição do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), autorizando outorga para dessedentação, desde que comprovadamente necessária, esgotados os recursos hídricos locais. Mas nada de obra faraônica para outros fins, usando para isto o falso argumento "humanitário". Não podemos esquecer que há gente passando sede ou tomando água suja tanto no semi-árido nordestino, nas proximidades dos grandes açudes, como às margens do rio São Francisco em Minas e na Bahia. O argumento de matar a sede do nordestino por meio da transposição não procede. A indústria da seca está mascarando as verdadeiras causas da miséria. Para saciar realmente a sede dos sertanejos basta construir pequenas adutoras e obras hidráulicas a partir das águas armazenadas nos açudes já construídos. Para saciar, porém, a insaciável sede dos industriais das secas, aí serão necessárias grandes e caríssimas obras, como as planejadas nestas transposições. Analogamente, temos visto prosperar nas grandes cidades a indústria da enchente, onde se joga fora dinheiro público rubricado como do saneamento em obras desnecessárias de drenagem com canalizações de rios. A promoção de enchentes é seguida de obras de contenção de enchentes.
Em Minas Gerais, temos o Projeto Jaíba. Nas margens do rio São Francisco, com menos de 20 m de recalque e 600 m de canal de chamada, a água alcança o terreno a ser irrigado e todo o excesso de irrigação retorna ao rio. Com tudo isso (projeto barato e viável), as obras, iniciadas em 1973 e previstas para terminarem em 1979, caminham, por falta de recursos, a passos lentos, alcançando, em 2004, apenas uns 15.000 hectares da área programada para a irrigação de 100.000 ha.
Não há excedente de água no Rio São Francisco, pois seu volume total, inclusive prevendo-se todas as barragens necessárias à sua plena regularização, não seria suficiente para regar mais de 3 (três) milhões de hectares de suas terras planas, próprias para irrigação, já levantadas pela CODEVASF, em parceria com o "U.S. Bureau of Reclamation" dos Estados Unidos. Deve-se observar que estas áreas se localizam no Médio e Sub-médio São Francisco, portando dentro do Polígono das Secas. Comparando-se com a bacia do rio Tocantins que tem aproximadamente a mesma área a bacia do rio São Francisco é pobre hidrologicamente. A construção de mais represas para atender à crescente demanda de energia elétrica acabará com o que resta do fenômeno da piracema, reterá mais sedimentos, e alterará ainda mais a turbidez e a temperatura das águas, praticamente acabando com a biodiversidade do rio São Francisco. A vazão artificialmente regularizada através de obras gigantescas (há outras alternativas) eliminou as enchentes sazonais e as lagoas marginais, criatórios naturais dos peixes. O argumento de que o rio São Francisco está com a mesma vazão de séculos atrás, devido ao papel regularizador das barragens, não pode esconder o fato de que as nascentes, os ribeirões e afluentes maiores do rio São Francisco estão secando e todo o rio com seus barramentos sendo significativamente assoreados.
Essas questões, em si, são graves e de interesse nacional. Parece-nos muito estranho o fato de o projeto da transposição das águas do rio do São Francisco estar sendo discutido, elaborado e encaminhado à revelia da sociedade brasileira e, de modo especial, da população afetada.
Impõe-se a revitalização da bacia do rio São Francisco, sem condicioná-la à transposição. A revitalização prioriza a adoção de cuidados na gestão das águas e dos ecossistemas, a adequação técnica dos usos e formas de ocupação do solo ao ciclo hidrológico, sobretudo em regiões como o semi-árido. Somente uma absoluta ignorância técnica ou interesses espúrios de consultores e de empreiteiras, de fazer obra pela obra, articulados por lobbies políticos e empresariais, pode explicar este projeto de transposição.
O governo Lula precisa ter um pouco mais de sensibilidade no trato de temas polêmicos e importantes como esse, onde costumam entrar em cena os anseios de boa parte da população brasileira. A transposição será um grande atoleiro para o País, afundando a sociedade e o governo. A advertência está feita.
É, no mínimo, muito estranha a tendência do governo federal de minar o papel dos comitês de bacia na gestão ambiental das águas, de forma compartilhada e integrando empresários, governo e movimentos sociais, marco do avanço democrático institucional do Brasil, sem precedentes em nossa história. Configura-se um retrocesso político inaceitável o tratamento que está recebendo o CBHSF, e a utilização de métodos anti-democráticos de aprovação da transposição, forçando a aprovação no Conselho Nacional de Recursos Hídricos onde o governo tem total controle, e sem exame do projeto nas suas Câmaras Técnicas. Um governo democrático não pode agir assim, tratorando a dimensão política da questão e desconhecendo a rejeição generalizada do projeto pela sociedade. Esta atitude afronta totalmente o Plano de Recursos Hídricos recentemente aprovado pelo CBH do São Francisco e a Carta de Princípios deste Comitê. São lamentáveis as posturas política e técnica da Agência Nacional de Águas, da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, dos Ministérios da Integração Regional e do Meio Ambiente. Estamos assistindo na violência da transposição imposta à sociedade a destruição de nosso incipiente Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e o início de uma aventura sem retorno.
Tiveram participação especial na estruturação deste texto, além de diversas entidades e técnicos que o subscrevem, os seguintes especialistas: Alberto Daker (MG), Aldo Rebouças (SP), João Abner Júnior (RN), João Suassuna (PE), Apolo Heringer Lisboa (MG), Edézio Teixeira de Carvalho (MG), Luiz Roberto Santos Moraes (BA), Marco Antonio Tavares Coelho (SP).
ENTIDADES QUE ASSINAM:
1. Projeto Manuelzão/UFMG - MG
2. Instituto Guaicuy - SOS Rio das Velhas - MG
3. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas - MG
4. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
5. Fundação Joaquim Nabuco Recife/PE
6. Fundação Gilberto Freyre Recife/PE
7. Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA) - MG
8. Laboratório de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da UFRN Natal/RN
9. Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais
10. ONG Mãos Limpas - MG
11. Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) - SP
12. Fundação Brasil Cidadão - CE
13. Instituto Baía de Guanabara - RJ
14. Greenpeace - Belo Horizonte/MG
15. Associação de Maricultores de Palhoça - SC
16. Fé Social - BA
17. Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (AQUASIS) - CE
18. Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro Santos/SP
19. Associação Vila-Velhense de Proteção ambiental (AVIDEPA) - ES
20. Instituto Baleia Jubarte - BA
21. Associação MarBrasil - PR
22. Grupo de Recomposição Ambiental (GERMEN) - BA
23. Centro Golfinho Rotador - Fernando de Noronha/PE
24. Pró-Mar - Ilha de Itaparica/BA
25. Coalizão Internacional da Vida Silvestre - SC
26. Associação Civil de Recursos Hídricos (CIBAPAR) - MG
27. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba - MG
28. Fórum Mineiro de Comitês de Bacia - MG
29. Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais/UFMG (GESTA) -MG
30. Escola Mangue Recife/PE
31. Associação Rede Cananéia - SP
32. Instituto Recifes Costeiros - PE
33. Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ) - BA
34. Fórum Brasileiro de ONG's e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Brasília/DF
35. Amigos da Prainha do Canto Verde - CE
36. Instituto Terramar Fortaleza/CE
37. Instituto Pró-Rio Doce - Governador Valadares/MG
38. Associação Caatinga Fortaleza/CE
39. Centro de Estudos AMBIO - SP
40. ONG 4 Cantos do Mundo - Belo Horizonte/MG
41. Amigos do Meio Ambiente Muriaé/MG
42. Fórum de Defesa do Rio São Francisco - SE
43. Geolurb - Geologia Urbana e de Reabilitação - Belo Horizonte/MG
44. Fórum Mineiro de ONGs - MG
45. Movimento Verde de Paracatu Paracatu/MG
46. Fundação Relictos Ipatinga/MG
47. Vibra-Mais - Vida para a Bacia do Ribeirão Arrudas - Meio Ambiente e Integração Social Belo Horizonte/MG
Novas adesões a partir de 29/11/2004
ENTIDADES QUE ASSINAM:
48. Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) MG
49. Sindicato dos Geólogos no Estado de Minas Gerais (SINGEO) MG
50. Comissão da Produção Orgânica no Estado de Minas Gerais - MG
51. Associação Preparando Pessoas (APP ) Indaiatuba/SP
52. Liga de Entidades Ambientalistas da Bahia (LIGAMBIENTE) - BA
53. Associação dos Moradores de Mapele (AMAPELE) - Simões Filho/BA
54. Instituto Baía de Todos os Santos (IBTS) Salvador/BA
55. Associação dos Amigos do Parque São Bartolomeu Pirajá (AAPSB/P ) - Salvador/BA
56. ONG Sócio Ambientalista (CURURUPEBA) - Madre de Deus/BA
57. OURIÇO - Grupo Ambientalista Salvador/BA
58. Sociedade Movimento Trem de Ferro Salvador- BA
59. Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) Salvador/BA
60. ABENC - BA
61. ABONG - BA
62. ADS
63. Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado da Bahia (AEABA) - Salvador/BA
64. Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Estado da Bahia (APEDEMA) - BA
65. Articulação do Semi-Árido (ASA) -
66. Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) - Gentio do Ouro/BA
67. Cáritas Brasileira
68. Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) Salvador/BA
69. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB NE III)
70. Colônia de Pescadores de Remanso - BA
71. Colônia de Pescadores de Casa Nova - BA
72. Colônia de Pescadores de Pilão Arcado - BA
73. Colônia de Pescadores de Sento Sergipe e Bahia
74. Comissão Pastoral dos Pescadores Salvador/BA
75. Consulta Popular
76. Comissão Pastoral da Terra (CPT/BA) Salvador - BA
77. Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA/BA) - Salvador/BA
78. Central Única dos Trabalhadores (CUT) - BA
79. Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG) - BA
80. FUNDIFRAN
81. Grupo de Resistência Rural e Ambiental (GARRA) Irecê/BA
82. IDA
83. IRPAA
84. Instituto Ambiental da Bahia (IAMBA) Salvador/BA
85. Movimento de Cidadania Pelas Águas Correntina/BA
86. Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania - Salvador/BA
87. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB ) - BA
88. Pólo Sindical do Submédio São Francisco - PE/BA
89. SASOP
90. SENGE - BA
91. SINDAE - BA
92. SINERGIA - BA
93. SINFRAJUPE - BA
94. SINJORBA
95. Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (FUNDESPA)
96. Grupo de Apoio Itaparicano Ambiental e Humanístico (GAIAH) - BA
97. Federação das Ong's da Ilha de Itaparica e Região - BA
98. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO)
99. Amigos da Justiça Ambiental (AJA) - RJ
100. Assembléia Permanente de Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA) - RJ
101. Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA)
102. Associação em Defesa dos Reclamantes e Ultimados por Doença de Trabalho na Cadeia Produtiva do Alumínio - ADRUT PA
103. Associação dos Moradores da Lauro Miller e Adjacências (ALMA) RJ
104. Associação de Vítimas do Césio (VC) - GO
105. Associação Caeté - SC
106. Associação de Moradores de Barão de Iriri - Magé/RJ
107. Associação de Combate aos POPs (ACPO) - SP
108. Associação Livre para Gerenciamento Ambiental (ALGA)
109. Associação Projeto Roda Viva RJ
110. Brasil Sustentável e Democrático
111. Centro de Estudos Ambientais (CEA)
112. Central Única dos Trabalhadores (CUT)
113. Comissão Pastoral da Terra (CPT)- MT
114. Central Única dos Trabalhadores (CUT) RR
115. Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana CESTEH/ENSP/FIOCRUZ RJ
116. Coalizão Rios Vivos -MS
117. Comissão dos Atingidos pela Barragem de Irapé MG
118. Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) RJ
119. Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) ES
120. ECOA - MS
121. FASE
122. Federação de Entidades Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN) - AM
123. Fórum para o Desenvolvimento e Meio Ambiente (FORMAD) - MT
124. Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará/CE
125. Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (CEBRAC) DF
126. Fundação Viver Produzir e Preservar PA
127. Grupo de Estudos sobre Temáticas Ambientais GESTA/UFMG) - MG
128. Instituto Brasileiro de Análises Sócio Econômicos (IBASE)
129. Instituto de Estudos Sócio Econômicos (INESC) - DF
130. Instituto Terrazul - CE
131. Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade, Trabalho e Ambiente -ICHF/UFF RJ
132. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) - Manso
133. Movimento Cultura de Rua CE
134. Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu - MA
135. Observatório de Conflitos Ambientais - CHILE
136. Os Verdes/Movimento de Ecologia Social RJ
137. Rede Alerta contra o Deserto Verde ES/BA/RJ/MG
138. Rede Ecosocialista Caiçara Cubatão/SP
139. Rede Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto
140. OILWATCH (EQUADOR)
141. Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo/SP
142. Sindicato de Petroleiros de Caxias - RJ
143. Sindicato dos Químicos de Bacarena - PA
144. Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porto de Moz PA
145. Sindicato dos Químicos Unificados - Osasco, Campinas, Vinhedo e Região
146. Sociedade Praense de Defesa dos Direitos (SDDH) PA
147. Terra de Direitos PR
148. Conselho Pastoral dos Pescadores
149. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) - Porto Alegre/RS
Novas adesões pelos e-mails: manuelzao@manuelzao.ufmg.br ou ludlana@medicina.ufmg.br. Favor enviar nome da entidade completo, sigla, cidade e estado.
Divulgado por Apolo Heringer Lisboa (apolohl@medicina.ufmg.br)
Rede das Águas - www.rededaaguas.org.br - www.sosma.org.br
Avenida Paulista, 2073 - Bela Vista - 01311-300 - São Paulo - SP
Tel.: 11-3262-4088
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Realização
por João Suassuna — Última modificação 29/10/2013 10:17
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