A situação “Hidro-ilógica” da
Transposição do São Francisco – 26/02/2021
Eixo Norte da
Transposição - Imagem do Google
Estamos iniciando
uma atividade semanal de informações, aos interessados, das reais situações
operacionais dos eixos Norte e Leste da Transposição do Rio São Francisco, bem
como da capacidade acumulada dos principais reservatórios do país, responsáveis
pela geração de nossa energia. O percentual das capacidades dos
reservatórios das regiões Centro Oeste/Sudeste aumentou na semana em curso
(26/02), estando em 28,55% - 25/02/2021. A leitura da
semana anterior era de 26,68% - 17/02/2021 (dados ONS),
havendo, portanto, um aumento de 1,87%. Considerando esse baixo percentual
volumétrico acumulado nos reservatórios, a ANEEL determinou a cobrança das
tarifas de energia elétrica dos brasileiros, na modalidade “bandeira vermelha”, dando
continuidade a essa taxa adicional no mês em
curso.
Para efeito da
análise dos volumes bombeados em ambos os canais do projeto, foram utilizadas
as informações do Plano de Gestão Anual da Transposição do Rio São Francisco, da Agência
Nacional de Águas (ANA), em cujo Anexo II são estabelecidos os quantitativos
volumétricos mensais (condições e padrões operacionais) para o uso das águas do
caudal.
Após vultosos
investimentos realizados no projeto da Transposição, cuja cifra já ultrapassa
os R$12 bilhões, atualmente as águas do Velho Chico não estão chegando ao seu
destino final.
O Eixo Norte do
projeto, por exemplo, que visa o abastecimento do agronegócio dos Estados de
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, além de atender as demandas hídricas
das populações da Grade Fortaleza (CE), foi
inaugurado, em 26/06/2020, no trecho
compreendido entre a Barragem de Milagres, no município de Verdejante (PE) e
a barragem de Jatí, CE, cujos volumes
começaram a fluir em direção ao projeto cearense (Cinturão das Águas) e, também, ao
Estado do Rio Grande do Norte. O Professor Doutor em Hidrologia, João Abner
Guimarães Jr, voltou a fazer críticas à inviabilidade técnico-econômica
dessa obra, notadamente no trecho compreendido entre a barragem de Jatí-CE e o
destino final das águas, no Rio Grande do Norte. Segundo Abner, a solução para o
abastecimento hídrico da região passa, necessariamente, pela adoção de medidas que busquem e controlem os recursos
hídricos já existentes na região, através da definição de políticas públicas
que sejam capazes, não só de serem comprometidas com a boa aplicação da água em
si, mas, também, com a adoção de soluções que sejam efetivas e duradoras.
Notícias da internet do dia 27/10/2020 deram conta
de que a condução das águas nesse eixo, para o CE e RN, estão ocorrendo
normalmente. O Eixo Norte está com 97,50% de suas obras concluídas.
O Eixo Leste do
projeto atende prioritariamente as demandas hídricas (abastecimento) das
regiões agrestes dos estados de Pernambuco e da Paraíba (municípios da bacia do
Rio Ipojuca, PE, o município de Campina Grande e regiões de seu entorno),
havendo previsão, também, para o uso das águas no agronegócio paraibano
(projeto Acauã-Araçagi).
Foi inaugurado
recentemente o Ramal do Agreste que irá
abastecer municípios pernambucanos localizados na bacia do Rio Ipojuca, que
passam por problemas de escassez hídrica.
Apesar de esse eixo
ter sido inaugurado em 2017, resolvendo o grave problema de abastecimento de
Campina Grande, atualmente as águas do Rio São Francisco não estão chegando ao açude de
Boqueirão de Cabaceiras conforme o previsto. Na Terça do Crea realizada no
dia 17/11/2020, tratando de como garantir os
múltiplos usos da água diante da escassez e crescente demanda, o ex-Secretário de
Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco, Almir Cirilo, fez comentários acerca
das razões pelas quais os fluxos das águas da Transposição foram interrompidos
para Campina Grande. Na ótica de Cirilo, a razão disso deveu-se à fluência das
águas a céu aberto, na bacia do Rio Paraíba, entre os municípios de Monteiro e
Campina Grande, levando ao desperdício volumétrico de grande monta,
consequência direta das infiltrações, evaporação e outros aportes nas
irrigações existentes naquele trecho, além do lançamento de elementos
contaminantes (esgotos), o que tem levado a um desperdício de cerca de ¾ dos
volumes bombeados do projeto, aos campinenses. Ainda segundo o ex-Secretário,
para a solução desse problema é importante que se comece a pensar em ações
suplementares futuras, com o uso de tubulações adutoras, a exemplo do que vem
sendo praticado na Adutora do Agreste em Pernambuco, para o
abastecimento de vários municípios da bacia do Rio Ipojuca, os quais,
atualmente, passam por sérios problemas de escassez hídrica.
Além do mais, a falta
de critérios nos usos das águas dos principais aquíferos do Velho Chico, a
exemplo do Urucuia, têm interferido diretamente nas vazões de base dessas
fontes hídricas, em direção a calha do rio, resultando em significativas variações volumétricas no
caudal. Trabalho realizado
pelas Universidades Federais do Rio de Janeiro, Viçosa e Oeste da Baía, deu
conta de que a irrigação com pivôs centrais, praticada no Oeste da Bahia, sobre
esse aquífero, já rebaixou o seu lençol freático em cerca de 6,63 m. Um
problema de grandes proporções criado, tendo em vista a ausência quase que
total de gestão hídrica, em praticamente toda região semiárida do país, cujas
consequências são previsíveis, principalmente se levado em consideração o
lamentável estado de incapacidade hídrica existente no São Francisco, o que tem
dificultado o atendimento das demandas oriundas dos variados e conflituosos
usos existentes em toda sua bacia hidrográfica. Recente trabalho na região
central dos Estados Unidos, alerta para os riscos existentes nos usos, sem o
devido controle das águas de subsolo daquela região, e sugere medidas de
solução para os problemas. Fica dado, portanto, o alerta para o tratamento dos
volumes bombeados do aquífero Urucuia, no Oeste baiano, os quais, continuando
sem os devidos cuidados de gestão, poderão ter o mesmo destino daqueles
relatados pelos americanos nesse trabalho.
Existindo essa
problemática, é de se supor das dificuldades que existirão pela frente, para se
mudar o cenário de pobreza da região, principalmente se levado em consideração
o cumprimento das metas do projeto da Transposição, de abastecer 12 milhões de
pessoas na região setentrional nordestina e a de irrigar uma área estimada em
cerca de 150 mil ha.
Finalmente, fica
claro que o projeto da Transposição do Rio São Francisco passa por sérios
problemas de gestão hídrica, que poderão comprometer
os usos futuros das águas em toda região Setentrional. Medidas urgentes
na melhorias desses aspectos devem ser tomadas, para que seja garantida a
necessária segurança hídrica de todo o Semiárido brasileiro.
Algumas características técnicas do Projeto da Transposição:
Características das represas reguladoras de vazão do Rio São Francisco
- A construção das represas de Três Marias e Sobradinho, na calha do São
Francisco, possibilitou às autoridades do setor hídrico do país, o total
controle volumétrico de vazões do rio, ao longo de toda a sua bacia
hidrográfica.
- Com a regularização das vazões do Velho Chico, a Chesf passou décadas
gerando a energia do Nordeste brasileiro, com uma vazão média regularizada de cerca de
2.060 m³/s.
- Informações volumétricas, na calha do São Francisco, obtidas nos
postos de observações da Chesf e da Cemig, localizados entre a nascente e a foz
do rio – Fonte: Chesf
Dia 26/02: UHE Três Marias (controle das
defluências de Três Marias) 301 m³/s; São Romão 3.945 m³/s; São Francisco –
4.742 m³/s; Bom Jesus da Lapa – 3.370 m³/s; Morpará – 2.671 m³/s; Juazeiro
(controle das defluências de Sobradinho) 870 m³/s e Propriá (controle das
defluências de Xingó) 842 m³/s. (dados da Chesf)
- Situação crítica do projeto da
Transposição: A represa de Sobradinho acumulou no ano de 2017, apenas 1,98% de sua
capacidade útil, e defluiu para a regularização das vazões do Submédio e Baixo
São Francisco, apenas 554 m³/s.
Capacidade total de Três Marias: 20 bilhões de m³ - Fonte: ANA
Afluência: 1.008 m³/s
Defluência: 301 m³/s
Percentual volumétrico atual da represa: 63,92%
Capacidade total de Sobradinho: 34 bilhões de m³ - Fonte: ANA
Afluência: 2.340 m³/s
Defluência: 856 m³/s
Percentual volumétrico atual da represa: 56,06%
Características técnicas dos
eixos do Projeto
- Irá passar pelos dois eixos do projeto, uma vazão de até 127 m³/s,
sendo 99 m³/s no Norte e 28 m³/s no Leste.
Plano de Gestão Anual (PGA) dos Eixos Norte e Leste da Transposição
ANEXO II do PGA
Vazões mínimas
médias mensais bombeadas (m³/s)
Eixo
Leste |
Jan/21 |
Fev/21 |
Mar/21 |
Abr/21 |
Mai/21 |
Jun/21 |
|
EBV-1 |
8,400 |
8,400 |
8,400 |
8,400 |
3,700 |
3,700 |
|
EBV-2 |
8,279 |
8,279 |
8,279 |
8,279 |
3,605 |
3,605 |
|
EBV-3 |
8,108 |
8,108 |
8,108 |
8,108 |
3,474 |
3,474 |
|
EBV-4 |
7,904 |
7,904 |
7,904 |
7,904 |
3,322 |
3,322 |
|
EBV-5 |
7,340 |
7,340 |
7,340 |
7,340 |
2,801 |
2,801 |
|
EBV-6 |
7,250 |
7,250 |
7,250 |
7,250 |
2,736 |
2,736 |
|
Eixo
Leste |
jul/21 |
Ago/21 |
set/21 |
out/21 |
nov/21 |
dez/21 |
Média |
EBV-1 |
2,250 |
2,250 |
2,250 |
2,250 |
2,250 |
2,280 |
4,544 |
EBV-2 |
2,163 |
2,163 |
2,163 |
2.163 |
2,163 |
2,189 |
4,444 |
EBV-3 |
2,043 |
2,043 |
2,043 |
2,043 |
2,043 |
2,068 |
4,305 |
EBV-4 |
1,906 |
1,906 |
1,906 |
1,906 |
1,906 |
1,931 |
4,143 |
EBV-5 |
1,281 |
1,281 |
1,281 |
1,281 |
1,281 |
1,283 |
3,554 |
EBV-6 |
1,226 |
1,226 |
1,226 |
1,226 |
1,226 |
1,227 |
3,486 |
Vazões mínimas
médias mensais bombeadas (m³/s)
Eixo
Norte |
Jan/21 |
Fev/21 |
Mar/21 |
Abr/21 |
Mai/21 |
Jun/21 |
|
EBI-1 |
14,150 |
14,150 |
14,150 |
2,350 |
2,350 |
2,350 |
|
EBI-2 |
13,614 |
13,614 |
13,614 |
2,082 |
2,082 |
2,082 |
|
EBI-3 |
13,099 |
13,099 |
13,099 |
1,797 |
1,797 |
1,797 |
|
Eixo
Norte |
Jul/21 |
Ago/21 |
Set/21 |
Out/21 |
Nov/21 |
Dez/21 |
Média |
EBI-1 |
2,370 |
2,370 |
2,370 |
2,370 |
2,370 |
2,430 |
5,315 |
EBI-2 |
2,101 |
2,101 |
2,101 |
2,101 |
2,101 |
2,159 |
4,979 |
EBI-3 |
1,796 |
1,796 |
1,796 |
1,796 |
1,796 |
1,806 |
4,623 |
Eixo Norte - Fonte: Chesf
- Esse Eixo foi inaugurado pelo Presidente da República, em 26/06/2020.
- Extensão de 402 km
- Serão atendidos os estados de PE, CE, PB e RN
- Existência de 12 reservatórios de diversos tamanhos, com potencial de
armazenamento de cerca de 56 milhões de m³.
- Perspectiva de atendimento a 232 municípios nos estados, e uma
população estimada em cerca de 7,5 milhões de pessoas.
- Vazão do Rio São Francisco na tomada d´água em Cabrobó (Estação de
Ibó): 895 m³/s
- Vazão de bombeamento da EBI-1 (PGA) do mês de fevereiro/21: 14,150 m³/s
- Vazão da última estação de bombeamento EBI-3 (PGA) do mês de
fevereiro/21: 13,099 m³/s
Notícias de 23/12/2020, vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) asseguraram a efetivação da licitação do Ramal
Apodi, no Rio Grande do Norte, iniciativa essa que recebeu críticas no segmento
técnico da obra, oriundas da Academia.
- O Professor Doutor em Hidrologia, João Abner Guimarães Jr, voltou
a fazer críticas sobre a inviabilidade técnico-econômica
da obra, notadamente no trecho compreendido entre a barragem de Jatí-CE e o
destino final das águas, no Rio Grande do Norte. Segundo Abner, a solução para o
abastecimento hídrico da região passa, necessariamente, pela adoção de medidas que busquem e controlem os recursos
hídricos já existentes na região, através da definição de políticas públicas
que sejam capazes, não só de serem comprometidas com a boa aplicação da água em
si, mas, também, com a adoção de soluções que sejam efetivas e duradoras.
- O Eixo Norte está com 97,50% de suas obras concluídas e vem conduzindo
seus volumes normalmente.
Eixo Leste - Fonte: Chesf
- Inaugurado em julho de 2017
- Extensão de 220 km
- Serão atendidos os estados de PE e PB
- Existência de 16 reservatórios de diversos tamanhos, com potencial de
armazenamento de cerca de 910 milhões de m³.
- Perspectiva de atendimento a 169 municípios nos estados, e uma
população estimada em cerca de 4,5 milhões de pessoas.
Reservatório da hidrelétrica de Itaparica
Capacidade total do reservatório: 11 bilhões de m³
Afluência: 670 m³/s
Defluência: 828 m³/s
Percentual volumétrico atual da represa: 43,42%
Vazão de bombeamento da EBV-1 (PGA) do mês de fevereiro/21: 8,400
m³/s
Vazão da última estação de bombeamento EBV-6 (PGA) do mês de
fevereiro/21: 7,250 m³/s
Em 2018, a adutora de Moxotó (PE) começou a
operar abastecendo os municípios pernambucanos de Sertânia, Arcoverde, Pesqueira, Brejo da Madre de Deus, Belo Jardim, Alagoinha, Tacaimbó, São
Bento do Una, Sanharó e Custódia, cuja captação é na
mesma fonte que abastece Campina Grande, ou seja, o Eixo Leste da
Transposição.
A adutora do Agreste - Inaugurada a primeira fase do
projeto, que irá aduzir volumes do Rio São Francisco, via eixo Leste do projeto
da Transposição, para o abastecimento de municípios pernambucanos localizados
na bacia do Rio Ipojuca - 8 m³/s
Os açudes de Poções e Camalaú defluem seus volumes para a represa de
Boqueirão de Cabaceiras
Capacidade do açude de Poções (30 milhões de m³, Monteiro): 59,45%. Destino
dos volumes da transposição para o açude de Camalaú - Fonte: Aesa
Capacidade do açude de Camalaú (48 milhões de m³, Camalaú): 59,73%. Destino
dos volumes da transposição para o açude de Boqueirão de Cabaceiras - Fonte: Aesa
O destino final da água desse eixo é o açude de Boqueirão de Cabaceiras,
para o abastecimento de Campina Grande e 18 municípios de seu entorno.
Boqueirão de Cabaceiras - Fonte: Aesa
Capacidade do reservatório: 411,6 milhões de m³
Volume morto do reservatório: 8,20% de sua capacidade
Percentual volumétrico útil atual: 41,70%
Vazão afluente do projeto da Transposição do São Francisco em
Boqueirão: 0
m³/s
Vazão de regularização de Boqueirão de Cabaceiras – 1,25 m³/s
Defluência de Boqueirão para
Acauã: 2,2 m³/s
Reservatório de Acauã - Fonte: Aesa
Capacidade do reservatório: 253 milhões de m³
Volume morto do reservatório: 8,00% de sua capacidade
Percentual volumétrico útil atual: 5,20% (em declínio volumétrico)
Vazão afluente em Acauã: 2,2 m³/s
Vazão
defluente para o projeto Acauã-Araçagi: 0 m³/s
COMENTÁRIOS
José Do Patrocínio Tomaz
Albuquerque – Hidrogeólogo e Consultor
Infelizmente, pelo
que ainda estão fazendo com as águas subterrâneas, responsáveis por estas
vazões na estação de Estio, o nível mínimo do Rio São Francisco vai voltar a se
repetir, sim. Afirmo isto com base na evolução da situação volumétrica dos
reservatórios da CHESF, publicados semanalmente por nosso amigo João Suassuna
no site da Carta de Morrinhos. A contribuição da
vazão de base vem diminuindo, semana após semana. A afluência a Sobradinho tem
sido maior pela contribuição da defluência de Três Marias. No dia 10/09/2020
foi de 780 m3/s com a contribuição de Três Marias ascendendo a 670 m3/s, o que
significa que a vazão de base suprida pelos aquíferos existentes na bacia do
São Francisco, a montante de Sobradinho, estão contribuindo com, apenas, 102
m3/s. Isto nunca se verificou antes. É só olhar a série hidrológica de longo
período, mesma a da grande seca recente. E olhe que viemos de um período
chuvoso abundante neste ano de 2020. Entre Três Maria e Sobradinho há uso
demais de águas subterrâneas. Responsável? Só a irrigação justifica isso!
(setembro de 2020)
Sobre o assunto
Baixo nível de
reservatórios faz ONS prever 'dificuldade' no fornecimento de energia