A transposição do Rio São Francisco
e a perda na condução da água
IHU On-Line — Com tem
sido a experiência de funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São
Francisco na Paraíba?
João Abner Guimarães
Júnior — A primeira coisa que eu
gostaria de mencionar é o caráter experimental da obra de Transposição do Rio São Francisco. É uma obra única: nunca foi feito no mundo uma obra igual a
essa. Essa obra gera a perenização dos rios intermitentes. Por sorte ela
começou pelo Eixo
Leste, mas o ideal é aproveitar a experiência
do Eixo
Leste para consertar a obra no Eixo Norte.
A Agência
Executiva de Gestão das Águas da Paraíba – AESA tem fornecido diariamente os dados de volume de água do
Açude Boqueirão que abastece Campina Grande, e a partir dessas informações é
possível acompanhar o volume de água que está chegando ao açude. A informação
oficial é de que estão bombeando nove metros cúbicos por segundo da
barragem Itaparica no Rio São Francisco. Desse valor, há 15% de perda na condução da água por um pouco mais de 200 quilômetros dos canais da
Transposição, até a água chegar ao reservatório de Monteiro.
Entretanto, no trecho subsequente de um pouco menos de 200 quilômetros de
escoamento ao longo da calha natural do Rio Paraíba, de Monteiro até o açude
Boqueirão, as perdas estão chegando a 50%. No total estão saindo nove metros
cúbicos por segundo e estão chegando 3,5 metros cúbicos por segundo. Isso
traduz perdas absurdas de cerca de 60%.
Acontece que na Paraíba se criou uma expectativa muito grande em
relação à transposição, e até agora a obra mal está suprindo as necessidades de
Campina Grande. Entretanto, 70% da água do projeto no futuro próximo serão
destinados ao abastecimento de Pernambuco, então imagine como ficará a situação
em Campina Grande quando Pernambuco começar a captar a água desses canais.
Mesmo assim o discurso do desenvolvimento se mantém na PB.
Paradoxalmente, atualmente estão utilizando a água do Rio São Francisco para recuperar o volume de água do Açude Boqueirão e ainda se continua fazendo racionamento de água em Campina Grande, o que já poderia ter sido normalizado. Já que a vazão que está
entrando no açude é maior do que a que está saindo, por que ainda há
racionamento em Campina Grande? Se a empresa que faz a distribuição da água
fosse privada, ela estaria preocupada em normalizar o sistema, porque a
arrecadação iria aumentar bastante. Então, pergunto novamente, por que não se
normaliza o abastecimento de água em Campina Grande? Provavelmente porque estão
querendo utilizar a água para atingir o volume morto, pois quando a barragem
atingir o volume morto – e aí está o maior interesse –, vão abrir a comporta da
barragem para que a água do Rio São Francisco desça rio abaixo, mas ninguém
sabe para que isso será feito – talvez seja para servir aos interesses de
alguns que querem fazer irrigação.
Quando analisamos as obras do Eixo Norte, percebemos que a situação é muito mais preocupante, porque
essa é uma obra que tem uma capacidade de vazão três vezes maior que a do Eixo
Leste. No Eixo Norte, os reservatórios funcionam em um sistema de cascata, por
isso, eles terão que ser enchidos de água para só então poderem verter para os
reservatórios seguintes. Isso vai criar um espelho enorme e aumentará a
evaporação da água. Sem falar que esses reservatórios estão localizados em
áreas altas e, por conta disso, a tendência é que eles tenham grandes perdas
por percolação profunda uma vez que é comum a ocorrência de fraturamento das
rochas no substrato cristalino do solo da região.
Até hoje não se sabe o que vai acontecer em relação ao Eixo
Norte, mas com a experiência que estamos tendo com o Eixo Leste, certamente os problemas do Eixo Norte serão muito maiores.
IHU On-Line — O
senhor disse que é preciso aproveitar a experiência do Eixo Leste para corrigir
o Eixo Norte. O que deveria ser feito?
João Abner Guimarães
Júnior — Evitar ao máximo possível a perenização dos rios com a água da transposição. Por exemplo,
estou convencido de que os canais do Eixo Leste deveriam ter avançado Paraíba
adentro. Ou deveria se aproveitar que a água está chegando em Monteiro e, em vez de soltar a água no leito do Rio Paraíba, como
estão fazendo, deveriam se construir adutoras de maior porte para levar essa
água em maior quantidade para Campina Grande e daí distribuir para outra
cidades que necessitam dessa água. Se for ver, a água que chega à Monteiro encontra-se
em cota superior à da cidade de Campina Grande. Enquanto isso, essa água está
descendo mais de 200 metros, perdendo energia, e depois é bombeada para chegar
a Campina Grande. Esse bombeamento só deveria ser feito para regiões que
comprovadamente não têm água, como é o caso da Paraíba, e quando realmente
houver extrema necessidade. Então, esse é um projeto que vai ser operado
somente em épocas de grande necessidade, mas ele terá um custo de manutenção
permanente. Diante disso, nos perguntamos: como um projeto que vai funcionar
intermitentemente terá recursos para se manter? Eu não sei. Sinceramente acho
que o Eixo
Norte deveria ser revisto totalmente.
Nesse momento, a partir da experiência do Eixo Leste, o Governo Federal deveria convocar especialistas para analisar
o Eixo Norte antes das retomadas das obras; porque é uma irresponsabilidade
continuar com ele do jeito que está. Infelizmente estamos vivendo um ambiente
muito ruim no Brasil e não sei se as instituições que são responsáveis por
verificar essas obras, como o TCU, estão realmente querendo verificar o que
está acontecendo. É impressionante ver como os processos de mobilização política continuam existindo em defesa dessa obra; é impressionante
que quanto mais problemas vão aparecendo em relação à transposição, mais a obra
ganha adeptos. Existem comissões em todos os estados voltadas para defender a
transposição do Rio São Francisco, mas não existe nenhuma comissão voltada para
analisar a problemática da seca no Nordeste. É uma esquizofrenia muito grande.
(EcoDebate,
30/06/2017) publicado pela IHU
On-line, parceira editorial da revista
eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos –
IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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