ARTIGOS DO DR. HEITOR SCALAMBRINI COSTA
Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.
Governo e democracia participativa.
Caso Pernambuco
Heitor Scalambrini Costa
Professor associado aposentado da
Universidade Federal de Pernambuco
Os últimos 16 anos de governo do Partido Socialista Brasileiro (PSB) em
Pernambuco mostraram que o “modo socialista de governar” deixou (no passado,
pois novos tempos virão) um legado que evita, dificulta, inibe a participação
popular, e o exercício do controle social via os movimentos sociais
organizados.
Foi a Constituição de 1988 que instituiu o arcabouço que permitiu a
consolidação do regime democrático. Ficou estabelecido um conjunto de direitos
que ampliou o envolvimento dos atores sociais nos processos de decisão e
implementação das políticas sociais. A partir de então, os conselhos se
institucionalizaram em praticamente todo o conjunto de políticas sociais no
país, para assim expressar os interesses e demandas, com a participação
democrática de novos atores junto ao Estado. Ao mesmo tempo, outros mecanismos
de participação social proliferaram nestes espaços das políticas sociais, como
conferências, comissões, fóruns, câmaras, ouvidorias.
A participação da sociedade implica a ideia da democracia participativa,
da representação social junto às instâncias do Poder Executivo, e a ampliação
dos espaços de decisão com a representação da pluralidade de atores sociais.
Permite ainda, promover a transparência e a visibilidade das ações, o que
democratiza o processo decisório. E que as demandas da sociedade tenham maior
visibilidade e voz, e assim os movimentos organizados influenciam nas ações do
Estado, garantindo não somente a manutenção e novas conquistas de direitos, mas
acompanhar e controlar as ações do Estado.
A Constituição Cidadã de 1988 determinou a gestão democrática e
participativa, que se institucionalizou na esfera federal com a criação de
conselhos nacionais. Estes colegiados, criados ou reorganizados durante a
década de 1990, foram levados aos Estados pelas constituições estaduais.
A Constituição do Estado de Pernambuco, promulgada no dia 5 de outubro
de 1989 pela Assembleia Legislativa, assegurou a participação ativa das entidades
civis não governamentais e grupos sociais organizados, na discussão,
elaboração, execução e controle de planos, programas e projetos; e na solução
dos problemas que lhe sejam concernentes.
Mesmo com o aval constitucional, o que se verifica na prática é o
completo descaso e menosprezo dos governos do PSB com os espaços de
participação da sociedade, o que viola o próprio princípio da democracia
participativa, tão duramente conquistado.
Exemplos não faltam para verificar como os sucessivos governos do PSB em
Pernambuco tem agido para minar a participação social. Como é característica
dos últimos governos, o uso massivo da propaganda acaba predominando, iludindo
o cidadão sobre a realidade dos acontecimentos.
Desde 11 de março de 2015, por iniciativa do próprio governador, vigora
o decreto 41.535 que instituiu o Comitê Integrado de Convivência com a
Estiagem nos Municípios de Pernambuco. Conforme o decreto, o Comitê será
coordenado pela Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (Sara),
e terá a participação de diversos órgãos estaduais e da sociedade civil
organizada. Até março de 2022, passados 7 anos, os membros do Comitê não foram
empossados.
Já no âmbito da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade
(SEMAS), nas mãos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), suas
ações mostram o caráter autoritário, desrespeitoso de seus gestores diante dos
movimentos organizados não governamentais, sindicatos, associações, enfim da
sociedade pernambucana.
Por ato do governador foi instituído o Fórum Pernambucano de Mudança
do Clima, via decreto 48.661/2020, que dentre suas competências está a de
“facilitar a interação entre a sociedade civil e o poder público, com o
objetivo de promover a internalização do tema nas esferas de atuação das
Secretarias de Estado, autarquias e fundações, estaduais e municipais,
prefeituras, setores empresarial e acadêmico, sociedade civil organizada e
meios de comunicação social”. A composição deste Fórum, cujo interesse é de
toda sociedade, tem uma maioria avassaladora de membros do poder executivo,
somado a representantes do setor produtivo, além de representação das
universidades públicas e privadas. Sobrando a sociedade civil alguns poucos
acentos. Como é de conhecimento geral, os interesses envolvidos nas ações para
o enfrentamento das mudanças climáticas têm apresentado conflitos importantes.
Devido a sua pouca representação a voz da sociedade fica “abafada” neste Fórum.
Outro exemplo foi o processo de discussão e construção do Plano
de Descarbonização de PE (PDE), instituído pelo Decreto no 52.458
de 16 de março de 2022. No preambulo da apresentação do PDE é afirmado que “os
resultados de cada etapa foram continuamente apresentados, discutidos e
validados junto aos membros das Câmaras Técnicas do Fórum Pernambucano de
Mudança no Clima”. Podem até ter sido apresentados e discutidos. Mas validados,
é outra coisa. Houve várias questões pertinentes ligadas ao setor Energia&Industria,
que mereceriam uma discussão mais aprofundada, e foram negligenciados. Assim,
ficou interditada uma discussão sobre o panorama, incluindo os impactos
socioambientais, do atual modelo de expansão e ampliação da eletricidade
renovável.
O que pode parecer somente uma simples expressão, “energia limpa”, é
usado para produzir falseamentos. As fontes renováveis como a solar e a eólica;
ao serem consideradas limpas são automaticamente, enquadradas como fontes de
energia com baixo impacto (https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576649-energia-eolica-nao-e-limpa),
no processo de licenciamento ambiental. Tal conceito, que não condiz com a
ciência, permite uma frouxidão na legislação ambiental pertinente. Não é
necessário, para o empreendimento solar e eólica em larga escala (geração
centralizada), a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório
de Impacto do Meio Ambiente (RIMA). Somente é exigido o Relatório Ambiental
Simplificado (RAS), documento que já é chamado de "simplificado".
A questão dos impactos socioambientais relativos à instalação dos
complexos eólicos e usinas fotovoltaicas de grande porte, é um tema que não
afeta somente Pernambuco, e já vem sendo estudado e discutido por inúmeros
centros acadêmicos, cientistas e organizações não governamentais. Mereceu junto
ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA/PE), órgão
colegiado, consultivo e deliberativo, formado por representantes de entidades
governamentais e da sociedade civil organizada, diretamente vinculado ao Governador
do Estado, a proposta feita pela representação da Federação dos
Trabalhadores Rurais de Pernambuco (FETAPE) da criação de um Grupo de
Trabalho (GT).
Aceita a proposta foi criado o GT, cujo objetivo é o de avaliar o
cenário da geração eólica em Pernambuco, sob o aspecto da conservação ambiental
de áreas protegidas, e a proteção das condições de vida dos trabalhadores
rurais. Lamentavelmente, o que tem acontecido até o presente nas reuniões, é
que a secretária executiva da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e
Sustentabilidade (SEMAS), coordenadora do GT, tem transformado estas reuniões
em espaços de justificativa para tais empreendimentos somente sob a ótica
econômica, como uma atividade redentora para a economia pernambucana. Sem ao
menos levar em conta a proposta original que é de avaliar os impactos
socioambientais dos complexos eólicos. Sobre esta condução do GT, carta
assinada por várias entidades, membros deste Conselho, foi enviada ao
Secretário Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, presidente do
CONSEMA/PE, denunciando o desvirtuamento da discussão, e o boicote em relação
aos temas que motivaram a criação do GT. Que fique claro que não existe nenhuma
posição contrária às fontes de energia solar e eólica, e que sem dúvida são
fundamentais para a transição energética necessária e urgente. Desde que os
empreendedores acatem as boas práticas socioambientais, e o Estado fiscalize
este cumprimento.
Ainda sobre o tema das eólicas, em setembro de 2020 foi sancionada pelo
governador pernambucano a lei 17.041 que alterou a política florestal,
dispensando os empreendimentos eólicos e solar de manterem áreas destinadas a
conservação da vegetação nativa, em pelo menos 20% do total da área do imóvel.
São por estas e outras ações governamentais, que consideramos que os
sucessivos governos do PSB e aliados, agem contrariamente à constituição
federal e estadual, que propagam e defendem a democracia participativa. Além de
existir um claro movimento do governo de Pernambuco em evitar a discussão com a
sociedade de temas da maior importância para o bem-estar das presentes e
futuras gerações, como é o caso das mudanças climáticas e do papel das energias
renováveis no contexto da descarbonização.